Texto de Ricardo Dimas (CA)

Procurando conter a emoção, tento esboçar as linhas a seguir, numa sincera celebração à memória do querido vovô DIMAS, de quem, com orgulho, herdei muitas de suas virtudes e, de quebra, o seu nome. Talvez seja esta a mais difícil missão que assumi e olhem que já estou bastante habituado com a relação entre caneta, papel e teclado.

A fim de ilustrar o contexto deste trabalho, apresento também a transcrição de textos originais  (do próprio punho de meu avô) e fotos.

Alguns autores já abordaram a saga de meu avô, um pioneiro da Salinésia (permito-me aqui uma explicação sobre esta palavra, totalmente desconhecida pelo pessoal aqui do hemisfério Sul e destinada somente a ele e não aos meus queridos conterrâneos que bem a conhecem. Tentei no Google e não encontrei qualquer definição para o termo SALINÉSIA, por isso ouso apresentar a minha definição: conjunto de cidades que giram em torno da produção de sal no Nordeste, a saber: Areia Branca, Mossoró, Grossos e Macau. Se cometi algum erro, mil perdões e corrijam-me nos comentários).

Vovô Dimas, mesmo como forasteiro, muito contribuiu para o desenvolvimento de Areia Branca.

Segue cópia do original de um depoimento de Dimas Pimentel Ramos produzido em sua máquina Remington (ou, talvez, Olivetti ou Underwood). Máquinas idênticas a essas fazem parte de uma humilde coleção que conservo em casa.

O documento exibido abaixo contém um adendo, que transcrevo abaixo pela falta de legibilidade do original.

“Em 1928, para aumentar o partido político de Café Filho, em sessão na Travessa dos Calafates, com um grande número de operários estivadores, fundei o Sindicato de Estivadores de Areia Branca. Fiz os primeiros estatutos e, com a ata de dita sessão, remeti tudo ao jornalista Sandoval Wanderley para serem reconhecidos pela Federação Estadual.

Com a devolução da papelada, de Natal, mandei a mesma para o meu amigo Protázio Gurgel, residente no Rio de Janeiro, para reconhecimento no Ministério do Trabalho. Dias depois recebi a carta de reconhecimento assinada pelo Ministro Salgado Filho, tendo logo em seguida entregue ao Presidente do Sindicato, Vicente Maciel de Abreu, que me deu uma carta dizendo haver recebido das minhas mãos o referido documento.

Por concurso realizado em Mossoró, fui nomeado Tabelião Público de Areia Branca (1931), tendo-me aposentado em 9/8/1959, com 36 anos de serviço público, incluindo 8 anos como empregado federal na Rede de Viação Cearense.”

Como bônus para os textos acima, quero narrar alguns fatos que colecionei junto a contemporâneos, outros parentes e também como fruto de conversas com meu avô, inclusive quando, já cego e com avançada idade, submeteu-se a uma cirurgia aqui no Rio, tendo convivido conosco por um bom tempo.

Dimas Pimentel Ramos faleceu em 17 de janeiro de 1991, aos 90 anos bem vividos.

 

AMIZADE COM CAFÉ FILHO – Correligionário do ex-Presidente Café Filho, assim como o era o saudoso Pedro Trajano (que residiu muitos anos no Rio de Janeiro), vovô conseguiu diversas nomeações no funcionalismo público para parentes e amigos. Certa feita ele contou-me que, após remeter um telegrama Western ao Café Filho, numa certa manhã, meu tio avô Voltaire, seu cunhado, estava empregado em Natal, à tarde.

PRISÃO:  Sobre tamanha injustiça, prefiro nem saber dos detalhes, para não sofrer. As informações que tenho é que o ocorrido foi manobra política; se você não é da situação é inimigo e, aí, misturam-se as desavenças pessoais, denúncias maldosas, inverdades e pronto. Isso tudo ocorrendo numa época em que – dizia-se – os comunistas comiam crianças. Vovô nunca foi comunista, era um patriota. Fatos similares ocorreram, ocorrem e irão ocorrer em qualquer regime ‘linha dura’. Vovô Dimas sempre foi uma pessoa caridosa. Por diversas vezes auxiliava pessoas como farmacêutico e homem de muita cultura – QUEM TIVER DÚVIDAS sobre o ‘Seo’ Dimas, é só consultar muitos de seus contemporâneos que ainda estão neste Planeta.

PALAVRAS CRUZADAS:Vovô era campeão de palavras cruzadas. Lembro-me muito bem de sua coleção da revista Seleções (Reader’s Digest), cujo primeiro nº, no Brasil, saiu em 1942. Eu mesmo, aqui no Rio de Janeiro, vivia nos famosos sebos do Centro da Cidade, garimpando livros de bons autores para o vovô. Minha querida tia Vânia, sua filha, doou todos os livros, incluindo as seleções, a uma biblioteca de Fortaleza (Ah! Se eu tivesse espaço em meu ‘apertamento’ no Rio).

GLAUCOMA: Como herança familiar, que acometeu minha bisavó Santana (mãe do vovô Dimas) e praticamente todos os seus irmãos, o glaucoma forçou-o a se operar no Rio de Janeiro, nos anos 60. Um fato engraçado é que, já operado (perdeu um dos olhos), ele ostentava uma prótese de vidro que, eventualmente, era retirada para higienização.

Vovô passou uma boa temporada conosco, quando residíamos no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Certa feita – entre 1969 e 1961 – eu e ele fomos ver uns livros num sebo do Rio e pegamos um ônibus lotado. Ficamos na parte traseira, em pé. De repente, ele começou a jogar o olho de vidro para cima, aparando-o em seguida. Fez isso diversas vezes. Após minha ‘bronca’, lembrando que ele poderia perder o olho num ônibus superlotado, sem possibilidades de ser encontrado entre tantos pés. Ele, ironicamente, explicou que estava tentado ver (com o olho de vidro estando no alto) se havia algum lugar vago na frente do ônibus, o que não seria possível de ser visto com o olho são, em virtude de sua pouca estatura. Nem precisa dizer a ‘risadagem’ que contaminou os circunstantes. Herdei um pouco de seu espírito brincalhão.

CABRA DE LAMPIÃO: Como é sabido, o famoso cangaceiro de Lampião esteve em, praticamente, todos os estados do Nordeste, em suas rapinagens. Talvez para sondar o terreno para aquele famoso ataque a Mossoró, Virgulino Ferreira da Silva talvez – veja bem, TALVEZ – tenha enviado espiões às cidades satélites de Mossoró. O fato é que, um belo dia, um dos cabras do Capitão Lampião apresentou-se pacificamente a meu avô, em Areia Branca, declarando saber que ele era um bom homem, que ajudava os pobres e necessitados. Esse cabra ofereceu-se para liquidar possíveis inimigos de meu avô. É óbvio que meu avô demoveu-o dessa odiosa idéia. Fez ver ao cabra de Lampião que ele era uma pessoa voltada à prática do bem e não da vingança e afirmou não ter inimigos. O sentimento de antipatia dirigido a meu avô era de mão única da parte de alguns.

ANOS 80: Já nos anos 80, consegui um relato seu, uma confissão de quem afirmou ter ‘aprontado’ muito como homem. Com a idade avançada (viria a falecer em 1991) ele já confundia datas e, frequentemente, pensava estar nos anos 50, quando o natalense Café Filho ainda estava no governo (entre 1954 e 1955). Outro político mais recente de quem vovô era muito amigo foi o Armando Falcão.

A exacerbada macheza atribuída a meu avô não é segredo para ninguém. Respeitando os sentimentos e a memória de minha avó – ela NUNCA, EM TEMPO ALGUM, queixou-se do comportamento conjugal de meu avô. NINGUÉM, em sã consciência, poderá tisnar a memória desse grande homem. Deixando de lado qualquer resquício de hipocrisia, tenhamos em mente que ninguém pode ser condenado por AMAR o próximo – seja quem for – de todo o coração. Se algo obscuro nesse sentido for atribuído a meu avô terá sido fruto de uma época e de uma sociedade supermachista e – por vezes – bastante hipócrita.

REVOLUÇÕES DE 30 E 32: Vovô participou de ambos os eventos, deixando os registros disso nas fotos anexas.

Seguem-se fotos com as devidas identificações e um bilhete do ex-Presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira agradecendo o apoio a ele conferido (juntamente com Café Filho) por Dimas Pimentel Ramos.

A partir da esquerda: Dimas, JK e Zeca de Celso

Depoimento de José Nicodemos, sobre Dimas Pimentel