You are currently browsing the tag archive for the ‘Crianças’ tag.

Na cidade de Scheveningen, nos Países Baixos, encontra-se uma cidade sofisticada, em miniatura, em escala de 1:25, construída em 1952, com o dinheiro doado pela família Maduro. Ali perfilam todos os expoentes arquitetônicos da Holanda, como as casas típicas ao longo dos canais de Amsterdã. Tudo que deu fama à Holanda encontra-se representado nos mínimos detalhes. Os equipamentos comunitários movimentam-se, desde os moinhos de vento às lanchas panorâmicas que fazem passeios pelos canais.

No contraponto, em Areia Branca-RN, que fica bem na esquina do mundo, de frente para a África, a prefeitura inaugurou a Cidade Maritacaca (primeiro nome de Areia Branca). Ali, crianças de todas as idades poderão brincar, dando asas à imaginação, utilizando os serviços oferecidos, como se gente grande fossem. Na Cidade Maritacaca as crianças terão seus direitos e deveres respeitados. O objetivo vai muito além do aspecto lúdico. O ponto futuro é a educação das crianças, com ênfase no respeito à cidadania e em outros aspectos da vida em comunidade, além de focar na educação financeira.

A Cidade Maritacaca tem 1.380 metros quadrados de extensão, com 14 imóveis, onde pontuam uma agência bancária, uma biblioteca, um supermercado, pet shop, escola, restaurante, salão de beleza, além da sede da prefeitura e do fórum de justiça. Haverá 14 monitoras preparadas para trabalhar o lado lúdico e a criatividade das crianças. Lá, elas podem utilizar a moeda (maritacaca) circulante na minicidade, podendo investir e ganhar mais dinheiro ou simplesmente gastá-lo com o consumo. Todo o espaço será monitorado por câmaras de segurança e contará com a vigilância intensiva da Guarda Municipal.

Ali também serão desenvolvidas atividades como o Natal, o Carnaval, a Páscoa, e onde será desenvolvida uma colônia de férias. Os vereadores mirins vão votar as regras e leis da cidade, e o prefeito vai sancionar leis e proposições.

A Cidade Maritacaca está localizada no centro da cidade, em um belo local (Praça Luiz Batista), onde foi construído um grande playground de madeira, que será o ponto de encontro da meninada de Areia Branca e de cidades próximas, o que deverá promover um congraçamento regional.

Areia Branca 2023. Muito melhor e mais bonita do que vi em 1981. Renovação.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do R

Areia Branca, ano de 1959. Noite quente, como todas as outras, as idas e as por virem. Na rua, tranquila pela escassez de carros e motos, a meninada impõe seu domínio pela força de sua gritaria e a poeira que levanta, seja brincando de pique-pega ou entoando cantigas de roda. Adolescentes formam grupinhos em lugares menos iluminados, na busca pelo isolamento. No rio, curtindo o barulhinho das águas, canoas, embarcações e marinheiros, em sua lida sem fim, insistem em fincar rastros – neste chão de águas, as Paralelas, de Belchior, não estão no campo do possível. 

Nas calçadas, cadeiras, tamboretes e espreguiçadeiras estão postos para mais uma noite de conversa a ser jogada fora. Não havia televisão, e era nas calçadas em que, todas as noites, as famílias se reuniam e os amigos se encontravam.

Viajando no imaginário, embarco no trem da retrofilia e escuto, como que trazido por um assobio arrastado pela cruviana do outro lado do tempo:

– Pois é, comadre Joana, esse tirinete de aporrinhação parece não ter fim. Olha só a poeira que sobe quando essas crianças passam correndo. Veja a cor do meu trancelim; e apontava para o pescoço. O oitão da minha casa está muito sujo, por causa da poeira. E a casa fica destiorada, pois a gente não tem vontade de pintar. E por conta disso, fica essa ruma de entulho na rua. Não dá nem para usar uma tricoline da Bangu

– Mas a prefeitura vai ter que calçar esta rua. Veja a Rua do Meio, está muito bonita, com aquele caragonovinho. Nós somos renitentes, e vamos continuar cobrando do prefeito. Ainda outro dia, o meu menino desmentiu o pé, ao cair em um buraco, no final da rua, tadinho! Além disso, nossa pele fica engilhada de tanta poeira.

Nesse instante, seu Nicanor entrou na conversa:

– Vocês não sabem o que o abilolado do Nazareno fez pela manhã. Olha que o moleque ainda é novo, mas já é um galalau. Para chalerar o pessoal da prefeitura, foi dar pitaco sobre a programação da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, e o pessoal ficou infezado com suas sugestões, que chegaram a dar até gasturanos organizadores. Faltou só um tiquinho de nada para sair confusão. Acho, até, que ficaram de mal com ele. Vixe Maria!

– Também – falou comadre Joana -, o que é que quer aquele cotoco de gente dando palpite sobre a festa? Ele só sabe jogar bozó, fazer munganga filar almoço na casa dos outros. De tanto comer, está ficando cevado. E só quer ser o cão chupando manga! E ainda fica se enxerindo para as meninas ali perto do Palacete Municipal. Não tem cabimento um negócio desses.

– Eu também acho – retrucou seu Nicanor. Ainda outro dia ele encasquetou que ia ser jogador de futebol, e ficou jogando bola na rua. Numa dessas jogadas, tacou a bola no fiteiro do armarinho de dona Junina, e o vidro se espatifou

E todos riram. Nazareno era sobrinho de seu Nicanor, e todos gostavam dele. 

O papo rolou até às dez da noite, quando a luz se apagou. 

No dia seguinte, toda a infraestrutura estaria montada para mais uma rodada.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Texto já publicado neste blog, com outro título e outra formatação.

Terceira releitura de Vidas Secas, e algumas reflexões. Em minha infância, adolescência e a adultice, jamais conheci um primo sequer, ou um tio, ou um avô. Portanto, não houve laços fora do estrito espaço de meu núcleo familiar. A sorte foi contar com os pais que tive, trabalhadores, justos, bons, e honestos, acima de tudo. Éramos nove, de uma prole de dezoito. Meus únicos parentes foram os membros da família Cirilo, que sempre nos balizou nesse quesito, com respeito, afeto e amizade (José Cirilo e dona Mariinha, Anália, Maria Laís, José, Chico, Ceci).

O Círculo Operário, onde estudei a Carta de ABC e a Cartilha, certamente era, dentre as escolas públicas de então, uma das mais simples. Por oportuno, informo que ficava na Rua do Meio, vizinho ao prédio dos beijus, tendo como professora Dorinha, moça bonita e brava. No Grupo Escolar, cursei o primário, poucas amizades. Material escolar escasso, sem acesso a livros de literatura: ingredientes para um rendimento escolar destinado ao fracasso.

Apesar de não pertencer a uma família de posses, morava na Rua da Frente. Os meninos das ruas mais afastadas não me procuravam porque eu era, no mínimo, remediado, por morar naquele local privilegiado. Os garotos das proximidades não se aproximavam, talvez, pelo fato de eu não circular pela parte alta da Rua do Meio. Nem os de lá, nem os de cá. Nem no cravo nem na ferradura.

Hoje sei que uma criança com um núcleo de amizades reduzido desenvolve-se com menor experiência de vida, e articula poucos contatos no depois do amanhã. Na infância, meu único amigo rico foi Chico Novo, filho do vice-prefeito e depois prefeito, com quem me reencontraria em Brasília anos depois, e até dividimos apartamento com mais dois recém-formados. O sonho posto em prática.

Na adolescência, não tive  o prazer-quase-sonho de andar de bicicleta. Quando muito, vez por outra, alugava um velho cambão do irmão de Popõe, ao lado da pracinha. Meia hora e o dinheiro acabava. Quinhentos réis – moedinha mágica – era o meu limite. Criança em bicicleta de adulto.

Fiz o Exame de Admissão e entrei para a Escola Técnica de Comércio. Era a forte emoção de vestir aquela farda cáqui com uma listra na lateral da perna. Um charme. Lá, contava nos dedos da mão as amizades que consegui formatar. Lembro de Airton e Antônio Cruz, além das estórias das estripulias de José Jaime em classe mais adiantada.

Festas, somente as populares. Daí a fixação nos festejos juninos, nas procissões e na festa de agosto. Aí também entram as missas na casa de Bagaé e nas Pedrinhas. Ambas aconteciam no final da madrugada, na troca de plantão da lua com o sol.

No dia 31 de janeiro de 1960, mudamo-nos para Natal; a família e todos os pertences no alto de um caminhão. No dia 17 de fevereiro meu pai morreria. Dezessete dias de angústias e incertezas.

Quinze dias depois, ao chegar no Colégio Padre Miguelinho, uma surpresa: somente poderia terminar o ginasial se fizesse provas de adaptação para Latim e Francês. Muitos capitularam aqui. Em trinta dias fiz as duas provas, e me saí muito bem. Nessa época, trabalhava no Túnel da Mirim, uma confeitaria no centro do Grande Ponto, em frente ao Novo Continente. Eu tinha, então, catorze anos.

Concluído o ginasial, tive que batalhar para conseguir cursar o científico no Atheneu, reduto da classe média alta. Em seguida, chegara a hora do pré-vestibular. Mais uma vez, teria que ser em órgão público, e concomitante com a terceira série do curso científico e com meu trabalho no Arquivo Geral do Estado, para onde fui devido a minha habilidade datilográfica. Inscrevi-me no Pré-Vestibular da Faculdade de Medicina – Pré-Médico. O curso era gratuito, mas quem tirasse nota menor que cinco nas avaliações mensais era sumariamente eliminado. Iniciou com duzentos alunos e terminou com cinquenta. Consegui chegar ao final.

Durante o Pré-Médico, inúmeras listas foram feitas pelos colegas mais abastados. Meu nome, claro, jamais constou de alguma delas. Naquela época, os cursos de Medicina e Engenharia eram disputados pela burguesia da cidade. Eu já trabalhava há algum tempo no IML, levado pelo mesmo motivo: habilidade com a máquina datilográfica.

Veio o vestibular. Com temor de não ser aprovado, fiz duas inscrições: no curso de Farmácia, onde fui aprovado no sétimo lugar, e no de Medicina, onde fiquei na vigésima quinta colocação. Eram apenas trinta vagas. Logo, artimanhas jurídico-políticas conseguiram aumentar para quarenta e duas. O curso iniciaria no começo de março, e em janeiro fui nomeado por concurso para o IAPFESP, o então instituto dos ferroviários. Meu título de nomeação foi assinado pelo General Castelo Branco.

Durante os seis anos do curso superior, trabalhei seis horas por dia, sempre montado em uma Vespa, em um sufoco somente hoje engraçado. É que a desgraça, vista no depois do ontem, no calor de uma discussão entre amigos, quanto maior mais risos provoca.

Em seguida, Residência Médica em Brasília e especialização em São Paulo. E muito trabalho, sempre em unidades básicas de saúde ou pequenos hospitais. Agora, a vantagem de carregar nas costas uma história de luta só me ajudava. E ainda ajuda.

Para Fabiano, Sinhá Vitória, Baleia, seu Tomás da bolandeira, o soldado amarelo. Lá, vidas secas, brutalidade. Aqui, passou raspando. Uma peinha (“péinha”) de nada.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Texto já publicado neste blog

Quem viveu em Areia Branca nas décadas de 1950/1960 sabe bem como era a pirâmide social, e sabe do que estarei falando. De forma geral as pessoas eram pobres, salvas as raras exceções de praxe.

Havia a turma que estudava no Círculo Operário ou no Grupo Escolar, como eu, que frequentei os dois. Havia também aqueles que estudavam com professores particulares. Muitas vezes fico confuso quando alguém, neste blog, se refere a   mestres e mestras que jamais conheci. Os professores e professoras das crianças do meu convívio lecionavam nas escolas públicas, mesmo que às vezes pudessem  desenvolver atividades de ensino particular.

Não sei explicar por que nós, mesmo morando na Rua do Meio, desconhecíamos a existência de boa parte de crianças que moravam naquela rua. Imagino que até pudessem estudar em outras cidades, ou frequentar escolas particulares aqui em Areia Branca.

Daí a dificuldade que tenho em reconhecer mestres e mestras importantes de Areia Branca. Quando citados em textos publicados neste blog, tenho grande dificuldade de identificação dessas pessoas, que sei terem feito um trabalho de alta relevância em prol do ensino a muitas crianças de nossa cidade, e que hoje, certamente, desempenham funções de relevância no Estado ou nos mais diversos setores da sociedade, inclusive em universidades. Mauro, um irmão mais velho do que eu, sempre se refere a alguns desses professores com palavras de carinho e agradecimento.

Quanto a essas crianças, nem sei se tomavam banho na maré ou se chegaram a conhecer a prainha de Zé Filgueira. Suspeito até de que não tenham tido o prazer quase sonho de um banho na maré cheia, nadando no rio Ivipanim. Imagino que até desconheçam a fantasia que era passear de canoa pelo rio, ou de pegar taioba do outro lado, nos limites de Barra e Pernambuquinho. Somente muitos anos depois, quando citadas em nossas conversas através deste blog, é que percebo que essas pessoas existiram. Mas eu não as vi. Sinceramente, não as vi.

Percebe-se, porém, ontem como hoje, a importância de ser.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN.

Alguém comentou neste blog: Adultos que conheço tiveram um tipo diverso de experiência, e suas narrativas falam de fatos e pessoas que, em boa parte, não conheci. Falam de uma Areia Branca que não conheci. Duas faces de uma cidade que, embora pequena, englobava universos pessoais restritos, criando mundos díspares.

Fui menino da Rua da Frente e, como tal, aprendi desde cedo a arte de nadar em rio. No Ivipanim, pulávamos do cais e nadávamos até o barco mais próximo, fosse  barcaça ou barco de pesca. E frequentemente tomávamos banho em praias a escolher, por serem tantas. Zingar era outra característica das crianças da Rua da Frente. Zingar não é remar.

A natação sempre fez parte de nossas brincadeiras, em especial ali na Rampa, ao lado dos barcos dos beijus, no período da tarde. Os banhos de bica, por ocasião das poucas chuvas, encerravam nosso envolvimento com o mundo das águas.

Saí de Areia Branca e anos depois fui trabalhar como médico pediatra em Brasília, nossa capital ainda adolescente.

Sexta-feira à noite, uma assistente social minha amiga ligou me convidando para participar de uma tarde de lazer com as crianças de uma creche. Ela entendia que eu, como pediatra, poderia ajudar o grupo na lida com a meninada. Topei.

Na tarde do sábado estávamos nós em duas kombis lotadas de crianças. Gritos e gargalhadas fizeram parte de todo o trajeto. Uma das ajudantes faltou, e éramos poucos para aquele tanto de crianças, avaliei. O cuidado seria redobrado.

Quando chegamos à chácara emprestada para aquele evento, paramos ao lado de uma piscina infantil de médio porte, com o nível da água a uma altura de 50 a 60 centímetros. Tranquilo, pensei.

Logo as crianças começaram a descer dos veículos e, sem qualquer aviso, saíram em disparada e se jogaram na piscina com a roupa do corpo. Ali eu descobri que a maioria daqueles meninos e meninas nunca tinha visto uma piscina.

A garotada pulava de barriga na água mas não tinha noção do reflexo para se erguer e ficar de pé. Em um minuto havia ao menos uma dezena de crianças com o rosto na água, sem conseguir pôr-se de pé. Em disparada, pulei na piscina e comecei a segurar meninos e meninas pela gola da camisa e jogar para fora, aos gritos para que elas fossem impedidas de voltar. Deu muito trabalho, mas ao final estavam todos salvos.

O banho de piscina foi cancelado, e partimos para atividades alternativas de lazer e entretenimento, inventadas na hora.

Criança tem que saber nadar e andar de bicicleta.

Habilidades que poderão impactar seu crescimento pessoal

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

maio 2024
S T Q Q S S D
 12345
6789101112
13141516171819
20212223242526
2728293031  

Para receber as novidades do blog