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Não sei se teremos tempo para outras romarias, e suspeito de que esta poderá ser a última. Por isso, a pressa das pessoas cansadas. O roteiro pode ser este:
Diferentemente dos anos anteriores, este ano a romaria se iniciará em Sergipe. Aqui, visitar a cidade histórica de São Cristóvão, que fica a cerca de 40 km de Aracaju; passar por Alagoas, chegar em Pernambuco, admirar seus canaviais e seus riachos magros, de caminhada lenta. Adentrar a Paraíba e chegar ao Rio Grande do Norte. Em Natal, a sensação de sentir o mar conjurando com o nosso intuito de despedida.
Em Açu, contemplar duas placas, enigma ainda hoje sem resposta. Por que Açu antes do rio e Assu depois? Para conferir, caminhar por suas ruas e conhecer seu povo. E a resposta virá, acredito. Afastando-nos das duas placas, termos a ventura de admirar o voo de um carcará. Ou será pedir demais? De passagem por Mossoró, entrarmos pela vez derradeira em seu Mercado Público, deixando ali o nosso último olhar extasiado, preso à visão de bugigangas do povo, expostas em um tumulto organizado.
Na estrada, no rumo de Areia Branca, vislumbrar as casinhas que tentam se esconder atrás de pequenos arbustos, tendo ao lado um cavalo mecânico petroleando o progresso, quiçá o futuro. Quilômetros mais feliz, vislumbrarmos uma placa – Areia Branca a 20 km – e sentir o cheiro do salitre dominar nossas entranhas, nossas vias, nossos sistemas e aparelhos, todos.
Na chegada, ao avistar Upanema à nossa direita, uma parada, talvez a última, com a alegria ainda ativada por rever Pedrinhas e Casqueira. Em Upanema, caminhar devagar até o velho Farol, em uma reverência silenciosa, daquelas de antigamente, quando a gente beijava a mão de nossos pais.
No Cais da Rua da Frente, uma olhada para o rio Ivipanim, em um genuflexo com jeito e sabor de despedida. Ali, erguer o olhar e contemplar o manguezal que emoldura o outro lado do rio, satisfazendo-nos com a visão de uma canoa cesariando a barriga do rio da nossa infância.
Pela última vez, caminhar pela Rua do Meio, naquele pedacinho que vai da Pracinha ao Cine Coronel Fausto – especialmente do lado direito -, buscando aqui e ali vestígios de antigas pegadas inscritas em calçadas com cimento ainda fresco. Finalmente, fechar em definitivo o Portal da Rua do Meio, defronte àquela esquina da qual tanto falamos, encerrando a página derradeira do meu livro. Sair sem voltar o olhar. Não repetirei o erro de Orfeu, que havia prometido a Hades, o deus dos mortos, que não olharia para trás, e olhou, fazendo com que sua amada retornasse aos umbrais do Submundo.
Na Pracinha, agora renovada, deixar algumas gotas expelidas quase sem pressão por glândulas lacrimais em desalinho. Mirar em frente, no rumo do antigo açude, e caminhar pelas ruas hoje asfaltadas, e ouvir o povo com seus falares sotaqueados de nossa meninice, revirando e tentando renovar as energias de um corpo incapaz de reter e manter um nível adequado de carga. Sinal da bateria no vermelho.
Sei que a bela Cidade de Maritacaca fará uma formatação em meu nível de energia, e retornaremos a Upanema. O mar nos espera!
Projeto Romaria. Um caminho para o autoconhecimento.
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EvaldOOliveiraSócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico
Recém-chegado a Natal, fui convocado para trabalhar na preparação final do censo nacional de 1960, que teve início em primeiro de setembro daquele ano. Uma das minhas tarefas era ajudar a preparar todo o material necessário para sua realização, e separar pelas localidades. Depois, entregar o material que nos fosse destinado.
Material preparado e empacotado por municípios, em uma rota pré-estabelecida. Éramos três: eu, um funcionário do IBGE e o motorista do caminhão. Era um GMC gigante para a época. Chegamos a lugares em que a população não conhecia um caminhão daquela envergadura.
Primeira cidade, Macaíba. Chegamos junto a uma feira e estacionamos o veículo. O motorista fazia jus ao caminhão: também era muito grande. Ele ficou na boleia, junto comigo, enquanto o funcionário do IBGE foi colher algumas informações sobre onde entregar os pacotes para lá destinados.
Nisso, o motorista disse: Evaldo, grita bem alto Pisa na Fulô!!! O povo daqui adora essa música. Então, da porta bastante alta do caminhão, gritei esbaforido o que o motorista havia pedido. Pisa na Fulô!!! Pisa na Fulô!!! Algumas pessoas foram chegando junto à porta, outras pela lateral do caminhão, e logo suspeitei de que havia feito uma grande bobagem. Quando a situação já estava quase fora de controle, o funcionário do IBGE retornou e pudemos seguir pela estrada.
Na cidade de Baixa Verde, hoje João Câmara, depois da janta resolvemos assistir a um filme que seria exibido em um local, no centro da cidade. Tivemos que levar três bancos, porque lá não havia cadeiras. Retornamos e fomos dormir, os três. O moço da pousada nos deu uma grande piraca para iluminar, pois a partir das dez da noite a energia elétrica seria desligada.
No dia seguinte, ao despertarmos, o quarto estava com uma névoa intensa de fumaça, e nossas caras estavam cobertas de tisna. Não desligáramos a piraca. Tomamos café, deixamos uma gorjeta para o rapaz e nos despedimos.
Dezesseis anos de idade. Luta pelo futuro. Destino em construção.
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EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Pois é, Areia Branca, eu cresci. Assim, tive que seguir em frente, forçado a lutar pela vida, tendo que suplantar desafios e dificuldades que se apresentaram em minha trajetória, com argumentos muitas vezes não convincentes de um menino do interior.
Quantas vezes tive vontade de desistir, enxugar as lágrimas e retornar ao ponto em que deixei as ilusões para trás, por volta dos catorze anos de idade, onde as dificuldades eram maiores, porém a vida se apresentava menos exigente.
Quantas vezes fiquei sentado à beira do caminho, olhos fixos em um ponto nada claro, turvado pelo lado B da vida, quase impossível de ser ultrapassado, coração em desalinho.
Por onde andei, muitas vezes tive que vencer preconceitos subliminares, tendo que lançar mão de argumentos e condutas aprendidos quando pisava o salitre de tuas ruas, os ensinamentos de tuas escolas, os exemplos de meus pais.
Lembrei-me de ti, Areia Branca, quando de minha primeira viagem interestadual. Fui de Natal para Brasília, em 1971, cuidar da minha residência médica. O ônibus parou em um local tão pobre que eu estranhei. Ali estava a miséria em seu estado bruto. Desci do veículo e perguntei ao motorista onde estávamos. Estamos em tal cidade, no Vale do Jequitinhonha, respondeu. Ali, entendi o real valor de morar em uma cidade com um rio passando na Rua da Frente, um manguezal repleto de vida e um vasto mar a nos cercar, península que somos.
Não dá para esquecer aquela manhã, no Atheneu de Natal, quando fomos receber um material do governo. A atendente pediu para eu colocar o rosto junto à janela do vidro escurecido, para em seguida ouvir o veredito da diretora ao lado: Pode entregar; esse tem cara de pobre. Meu colega Roberto, hoje médico em Natal, que vinha depois de mim, ao colocar o rosto na fresta de vidro recebeu um não. Esse tem cara de rico, vaticinou a diretora. Ainda hoje, rimos desse acontecimento, ao falarmos de nossa época de estudantes.
Em muitos momentos, lembrei-me de ti em lugares muito distantes, onde séculos são contados como se anos fossem. Ali, tive que decifrar enigmas formatados em línguas complicadas, escondidas no vácuo de expressões indecifráveis, quase ininteligíveis.
No contraponto, a vontade de seguir em frente, sabendo que um certo homem, nas ruas estreitas de Jerusalém, passou por 14 momentos de dificuldade em um único dia, para ao final entregar-se incólume a quem o enviou, há dois mil anos.
Por onde andou cada um de nós?
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EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Queria relembrar as noites de natal de minha meninice em Areia Branca. Mas, para isso, preciso da ajuda da poesia. Porque aqueles dias não foram de flores. Houve muitos espinhos a serem contornados.
Se nos fixarmos no último natal, no ano de 1959, lembro bem. Foi naquele natal que meus pais acertaram os detalhes para a viagem que nos levaria para a cidade de Natal, que ocorreria 38 dias depois. E aquele foi o último natal a que meu pai assistiria. Dali a 55 dias ele morreria em Natal. Foi um período tão difícil quanto decisivo em minha vida. Eu tinha 14 anos de idade, e estudava na Escola Técnica de Comércio. Todos nós tivemos momentos de dificuldades, em que nosso futuro oscila à mercê de uma decisão que, muitas vezes, não nos diz respeito.
Para compor a música Viagem, Paulo Cesar Pinheiro, então com seus 14 anos, e João de Aquino, com seus 19, já nos avisam que a poesia os ajudou, e eles foram de carona na garupa leve do vento macio…
E a poesia assim os levou: Oh tristeza, me desculpe/Estou de malas prontas/Hoje a poesia veio ao meu encontro/Já raiou o dia, vamos viajar…/Vamos indo de carona na garupa leve do vento macio…
Mas, para esta minha crônica de natal, a poesia não veio ao meu encontro, e meu texto ficou seco, árido. Restou a lembrança de havermos nos divertido muito com os brinquedos das crianças das proximidades, fosse da Rua da Frente ou da Rua do Meio, visto que nossa casa tinha a frente para a primeira e o muro de trás para a segunda.
Meu natal de 1959. A poesia não veio. O texto ficou áspero, feito mandacaru.
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EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN