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Bizarrices da infância. Em Areia Branca, quando menino, a maior figura da cidade não era um político, e sim um dentista: Dr. Vicente de Paula Gurgel Dutra, já falecido. Até hoje aguardo uma citação a seu respeito, feita pelos políticos ou pela mídia local. 

Em Areia Branca dos anos 1950/1960 havia um Dom Quixote isento de referências. Não tinha um parceiro de aventuras, nem um cavalo, mesmo que capenga. Sozinho, surgia  em períodos festivos, sem aviso prévio, em noites de sexta-feira, perto das dez horas, quando a usina de luz já ensaiava desligar seu velho e mal cuidado motor, deixando a cidade sob o domínio da escuridão. Adolescentes  e crianças esqueciam seus pruridos oxiúricos para festejar aquela cena tão bizarra quanto emocionante. Seria o assunto da semana.

Do Beco da Galinha Morta, surgia uma figura magricela, histriônica. A Associação Americana de Psiquiatria define o Transtorno de Personalidade Histriônica como um padrão de emocionalidade excessiva e necessidade de chamar a atenção para si mesmo, com sua espada à frente de uma capa de tecido pobre, anonimato garantido por uma emblemática máscara a cobrir-lhe os olhos.

Mundo afora, deparei-me com algumas estranhezas. Aqui vão algumas. Na cidade de Braga, norte de Portugal, uma visão inacreditável, estapafúrdia. Do alto de um pedestal, a figura de um homem morcego nos afrontava com sua face emblemática, fixando seus olhos de ferro no vazio silente do meio-dia.

Na Capadócia, Turquia, figuras únicas, esculpidas pelo vento durante os séculos, desafiam nossos sentidos com suas formas inusitadas. Ainda na Turquia, quando de uma parada do ônibus em uma pequena aldeia à beira da estrada, pedi um yogurt turco (aqui, seria grego) e percebi que, ao final, o vendedor cobriu a porção com pequeninas sementes de cor cinza nacarado. Uma delícia. Voltei e perguntei o que era aquilo. Sementes de papoula, de onde se extrai o ópio. Uma inédita bizarrice gastronômica.

Finalmente, retorno a Areia Branca, em algum momento entre o dia 30 de março de 1953 a 29 de março de 1955, quando a cidade foi administrada por um prefeito que, tal qual Juscelino, defendeu e lutou por sua gente. Aconteceu que uma moradora da Rua da Frente, depois de infrutíferas buscas por toda a cidade, procurou a prefeitura para solicitar o empenho do prefeito para encontrar sua cabra Mimosa, que desaparecera sem deixar rastro.

O dia já estava quase terminando, o sol se pondo pros lados de Tibau, quando uma pequena comitiva de curiosos adentrou a Rua da Frente, tendo à frente um homem elegantemente vestido, de paletó e gravata, tendo ao lado um fiscal da prefeitura segurando uma cabra presa a uma corda. O homem de paletó era Manoel Avelino, prefeito, que trazia Mimosa para ser entregue à sua dona, nesse momento já desconfiada de que sua cabra de estimação já estivesse em alguma panela, servindo de base para um belo sarapatel.

Momentos e monumentos bizarros. O mundo é assim.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Em 2010, retornei a Areia Branca, exibindo a couraça que a vida fez sobrepor-se à minha carcaça original, aí incluídos aterosclerose, desvios posturais, dislipidemias, HBP, porém sempre mantendo uma forma física razoável graças ao Pilates e às caminhadas. Por  anos, mecanismos foram postos a serviço da criação de uma vestimenta de combate, com fácies às vezes ríspida, outras vezes áspera, todas na defensiva.

Agora, do patamar da igreja, a visão da Rampa, do manguezal e a visão esmaecida da igrejinha de Barra, com sua aura de mistério. Um suspiro. Uma canoa aporta com sua cara de gengibre. Um convite, ou determinação, sob o comando da saudade. Sem perceber, já deslizava pelas águas silentes do rio da minha infância.

As feições do canoeiro, sua postura de gondoleiro veneziano, a austeridade do seu olhar, sua determinação ao segurar o remo contrastavam com a doçura de suas atitudes. O canoeiro logo entendeu que ali estava um ser entregue ao ócio contido, em inteira sintonia com o descompromisso, tentando resistir às emoções que o choque de um reencontro com o passado pode acarretar. Sem que eu falasse, fez deslizar seu pequeno barco por toda a extensão do nosso pequenino e belo rio Ivipanim, agora no sentido de Porto Franco.

Viajei. Com Argos no comando, e eu, Jasão, sem ao menos um deus não olimpiano em nossa comitiva, enfrentamos ameaças, vencemos o terrível monstro de três cabeças, o pensamento só em Medeia, até então com a solicitude e a doçura das fadas. Ali, eu, evaldonauta, reencontra um passado somente seu. Fantasia.

Quase do nada, a Rua da Frente apresentava-se à minha inspeção contemplativa. Ali ficava o matadouro; ali, a bodega de Antônio Calazans; a casa de Manoel Avelino, a igreja, quarteirão onde vivi o lado fantasia da minha vida. Mentalmente, enumerava a sequência de lojas e bodegas de uma Areia Branca que já morreu, mas continua viva no purgatório das minhas lembranças.

Ali, o Botequim da Bosta; hoje, uma foto em preto e branco nos mostra sua cara suja e mal cuidada. Ah, para esses lados ficava a usina de luz, o mercado do peixe, a prainha de Zé Filgueira.

Retornemos, pedi ao canoeiro, senhor absoluto dos rastros do rio, domador de ventos e calmarias, como aquela que, ali, nos prendia em frente à prainha, o Pontal à vista. Diabruras do vento, imaginei. Se contasse com a precisão histórica e a memória do Comandante Miranda, tentaria tirar daquele fundo indefinido a imagem quase mística de um sobradinho de taipa, imortalizado pelas lembranças de Deífilo Gurgel. 

Há exatos cinquenta anos passei por aqui, pensei. Sentia algo estranho acomodando-se em mim, como uma pizza existencial meio saudade meio desencanto.

Voltemos. A vida nos espera, e eu me quero vivo.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Durante minha infância e adolescência em Areia Branca, tive o privilégio de assistir a muitas coisas agradáveis, outras nem tanto. Também vivenciei fatos que mexeram com a história da cidade.

Participei de brincadeiras infantis que o tempo insiste em tentar excluir do rol de eventos elegíveis para os dias atuais, como diria um auditor amigo meu. Depois de uma noite de chuva, no período de férias, a meninada saía pelas ruas, com um bastão de arame conclamando os amigos para brincar de um jogo/labirinto, tentando fechar o adversário com os riscos no chão. 

Vi Manoel Avelino, o prefeito pré-bossa-nova, de terno branco e gravata, adentrando a Rua da Frente, em cortejo, ciceroneando Mimosa, a cabra amada de dona Ester, para devolver à dona. – Se ela fugir novamente, eu mandarei multar a dona da cabra -, falou ao entregar o animal a minha mãe. Em frente ao Palacete Municipal, ele fez um emocionado discurso ao lado de Juscelino Kubistchek

Assisti à chegada dos grandes iates, com suas bandeirolas coloridas, estacionados em frente à nossa casa, na Rua da Frente.

Frequentei o Tirol muitas vezes, à noite, em pescarias de que nunca hei de esquecer, a meninada com suas varas rudimentares pegando pequenos peixes que geralmente eram devolvidos ao rio. 

Assisti a um dos crimes mais comentados até hoje. Estava no mercado público quando Francisco Paulino de Paiva assassinou com uma facada nas costas o seu desafeto Chico Paulino de Medeiros, que tinha uma casa comercial na Rua da Frente. Ainda hoje não fiz as pazes com as facas. Verdadeiro pavor. 

Conheci de perto as três mulheres mais importantes de Areia Branca, o trio de ouro que comandava as ações do Sesi na cidade: Julieta Calazans, dona Chiquita do Carmo e dona Ana Paulino.

Presenciei, em frente à minha casa, o surgimento de uma montanha de sacas de café que sumiriam em poucos dias da beira do cais. Um milionário imbróglio que até hoje não nos foi permitido decifrar.

Conheci Dr. Vicente de Paula Dutra, homem de inteligência brilhante com quem eu, ainda criança, tive o privilégio de trabalhar em seu consultório.

Conheci o elegante Dr. Willon Cabral ainda novo, recém-chegado. Também trabalhei em seu consultório. 

Estudei no Círculo Operário, em seguida no Grupo Escolar Conselheiro Brito Guerra, onde também estudei até o segundo ano do Curso Comercial Básico.

Assisti ao maior pastoril de Areia Branca, evento destinado à arrecadação de fundos para construção da Maternidade Sarah Kubistchek. Foi aí que conheci a ervilha, (petit poá) com a permissão de Policarpo Quaresma (O Triste Fim de Policarpo Quaresma), que defendia o uso do guando.

Fatos, vivências e emoções que ajudaram a moldar o meu caráter.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Lendo um texto de Carlos Alberto (Um Não Fala, O Outro Não Ouve), senti uma saudade com jeito de antiga do meu amigo Chico Novo, pessoa de alto astral, bom humor e aguçado senso criativo.

Não sei como conheci Chico Novo, apesar de um parentesco distante dos Avelino com minha mãe. A entrada triunfal de Manoel Avelino, seu tio, prefeito de Areia Branca, na Rua da Frente, conduzindo Mimosa, a cabra amada de dona Ester, para devolver à dona – Se ela fugir novamente, eu mandarei multar a dona da cabra -, falou ao entregar o animal a minha mãe, diz bem dessa relação. Imagina um prefeito, de paletó e gravata, entregando pessoalmente uma cabra à sua dona. Qual prefeito faria isso hoje?

Mas o fato é que Chico Novo era meu amigo. Eu tinha oito irmãos, mas ele era meu amigo. Juntos, participamos do inesquecível quebra-canela que fizemos próximo ao Cine Miramar, onde caiu um vendedor de sururu, que nos obrigou a lavar os mariscos um a um. E Chico morrendo de rir. Chico Novo ficava na Rampa olhando os meninos nadando em volta dos barcos dos beijus. É que sua mãe não o deixava tomar banho no rio, por ser filho único. Um garotão forte que prestava serviços em sua casa saía com ele, para garantir sua segurança. Chico dizia: Esse cara é forte. Ele abre o portão com a cabeça.

Visitando Areia Branca, no início década de 1970, encontrei-me com Chico Novo e juntos fomos a uma festa na praia de Upanema, montados em uma vespa que nos fora emprestada por Chico Cirilo, quando uma bela e jovem senhora ofereceu a Chico Novo a música que cantaria em seguida. Chico foi tomado de uma forte emoção, e tivemos que sair da festa para dormir na casa de Chiquinha de João Rodrigues.

Novamente me encontraria com Chico Novo em Brasília, pelos idos de 1973/74, quando passamos a dividir seu apartamento com outros dois amigos meus. Foi um período de farras e brincadeiras, difícil de esquecer.

Em família

Chico

Água MineralÁgua Mineral, Brasília

Um amigo de infância. Uma lembrança.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 

 

 

Hoje amanheci pensando nas figuras importantes de Areia Branca, nas décadas de 1950/60. Nesse passeio pelas ruas da história, encontrei o Sr. Dimas Pimentel Ramos, o primeiro farmacêutico da cidade, Dr. Vicente de Paula Gurgel Dutra, Dr. Gentil Fernandes, para citar os não políticos. Porém nessa caminhada surgiu um nome forte, que todos conhecemos, e que até hoje engrandece o portfólio político da cidade.

Tudo isso começou ao ler o comentário de Junior Di Guerreiro, postado no dia 10 de outubro de 2014, na crônica do Comandante Miranda enfocando O Beco De Zé Filgueira, de 2012. Ali, Di Guerreiro se manifesta: Gostaria de saber se Manoel Avelino é realmente filho de Areia Branca e quem eram seus pais.

Manoel Avelino Sobrinho nasceu em Areia Branca no dia 24.09.1924, filho de seu José Avelino dos Santos (Dedé) e dona Cota (Maria Etelvina dos Santos). Com seu um espírito forte, foi o prefeito mais carismático da Salinésia. Conseguia, com seu modo particular, controlar a massa de seguidores, por entender a psicologia das mutidões. Em tempo: Manoel Avelino era tio de Chico Novo, amável criatura que reencontrei em Brasília como engenheiro terceirizado da Petrobrás. Costumo brincar, afirmando que Chico Novo foi meu único amigo rico em Areia Branca.

M. Avelino Chico Novo

No início dos anos 1950, já com o título de advogado (primeiro advogado nascido na cidade), retornou a Areia Branca, instalando seu escritório na Rua  João Félix, em frente à pracinha. De refinada oratória, no período de 1953 a 1955 viria a ser prefeito de Areia Branca. Os marcos de sua administração foram a melhoria da iluminação pública, com a substituição dos postes de madeira por estruturas de concreto, além da limpeza da cidade.

No ano de 1962, Manoel Avelino se tornaria o primeiro Deputado Estadual do RN nascido em Areia Branca, disputando a eleição com Manoel Lúcio, Antônio do Vale e Celso Dantas Filho. Ainda participaria de mais duas legislaturas na Câmara Federal, como deputado. Ao final do seu mandato, assumiria a representação do RN em Brasília.

Em tempo: Manoel Avelino administrou Areia Branca de seu gabinete, neste belo prédio do Palacete Municipal. Foto Antônio do Vale, de 1960.

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Um homem de boa formação, educado, respeitoso. Inscrito com letras douradas no Livro da História da Salinésia.

avelino_juscelinoManoel Avelino discursando. Nesta foto da campanha de Juscelino para presidente, aparecem da esquerda para a direita: Rudson Góis, Jofre Josino, Manoel Avelino (discursando), Vingt Rosado, Quinquinho Lucio, Juscelino, Jango, seu Dimas. Foto O Manoelito (Mossoró).

EvadOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 

 

 

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