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Os detalhes estão nas pequenas coisas, esquecidas pelos apressados, ocupados com os grandes eventos, que rendem pixels e flashes. O ideal é dispormos de tempo para perceber os movimentos sutis, satisfazermo-nos com um detalhe simples, capaz de tocar nossa sensibilidade e nos emocionar. 

Em Areia Branca, a sensação de ver o rio Ivipanim de rostinho colado com o mar, naquele remanso gostoso da preamar, no Pontal. Ali, a justa medida do sonho. O mar, obedecendo à determinação do oceano, vai, na sequência, constranger o rio, com o uso  abusivo de sua força, empurrando-o de volta, enquanto a maré se prepara para mais um evento de sizígia,  inundando os manguezais com suprimentos e visitantes. 

Em uma viagem de trem, perceber um rostinho de criança colado ao vidro do vagão, contando aos gritos árvores e casinhas distantes que passam correndo ao lado da estrada.

Visitando um imenso cemitério, perceber uma vela acesa no menor dos túmulos, no despertar da manhã. Aqui, a resiliência da saudade.

Nos movimentos sociais, emocionar-se com rostos sofridos e mensagens de não acomodação, em protesto ao que aí está posto, sempre. 

Em um quintal, a valorização de uma pitangueira prenha de flores, bem ao lado de um condomínio de formigas. Se percorrer a área com cuidado, vai identificar alguns olhinhos de saguis e, no alto da árvore ao fundo, um sabiá ensaiando o canto para sua amada, na árvore do vizinho. Aqui, a voz da natureza, que é uma das formas de Deus..

Ainda no quintal, emocionar-se com o canto (grasnado) de um tucano no alto de uma árvore, e em seguida acompanhá-lo em seu voo.

Em São Paulo, descobrir -se rindo com este aviso em uma lanchonete: Pastel de vento em falta

Em Areia Branca, contemplar a paz que emana deste perna de pau gigante, na beira do cais, tendo ao fundo um intrigante pôr do sol! Não sei quem é o autor desta foto.

Nada aqui é grandioso por si, mas o é por nós.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Se você é de uma cidade do interior, certamente conhece algum adulto ou criança que nasceu e sempre morou naquela localidade, mas que poucas pessoas o conhecem ou sabem o seu nome. É sempre o filho de fulano ou fulana. Na vida adulta, essa pessoa não disporá de referências da sociedade que excedam o seu reduzido círculo de amizades, que não ultrapassa o entorno de sua casa. Pergunto: Um caso assim pode ser chamado de exclusão social?

Em Areia Branca havia crianças que estudavam no Círculo Operário e outras no Grupo Escolar, como eu, que frequentei os dois. Havia também aquelas que estudavam com professores particulares. Por isso, muitos adultos ficam confusos quando alguém se refere a mestres e mestras da cidade; é que não os conheceram, por terem estudado em escolas públicas. Conheci meninos que, mesmo morando na Rua do Meio, da pracinha para baixo, não conheciam boa parte das crianças que também moravam na Rua do Meio, só que na parte de cima, depois da pracinha. Imaginava-se que essas crianças estudavam em outras cidades, mas elas recebiam aulas em casa, e outras frequentavam escolas particulares, e por isso não eram vistas. Aqui, o lado B da exclusão.

Dá para imaginar que essas crianças não conheciam a prainha de Zé Filgueira, e que  não tenham tido o prazer quase sonho de um banho na maré cheia, nadando no rio Ivipanim. E que também desconheçam a fantasia que era passear de canoa pelo rio, ou de pegar taioba do outro lado, nos limites de Barra e Pernambuquinho. Somente anos  depois descobri que essas pessoas existiram, e estavam bem perto de mim. Porém eu não as vi. Sinceramente, não as vi.

Presenciei, no interior de Goiás, um sujeito de Brasília segurando um senhor local pelas bochechas e exibindo seu rosto, para uma foto perfeita da miséria. Tais predadores em nada contribuem para a melhoria da vida dessas pessoas; apenas as exploram sem qualquer toque de respeito. Isso também acontece quando um mendigo é ignorado de tal forma que passa a ser apenas mais um objeto na paisagem urbana, como um poste ou um banco. Mas ficaria ótimo em uma foto a ser exposta no Instagram como troféu. Talvez por isso eu não goste de fotos de locais miseráveis postadas por influencers que se exibem nas redes sociais todos os dias. 

A invisibilidade pública é um fenômeno psicossocial caracterizado pelo sumiço de um sujeito em meio aos outros, e atinge a vida de muitos trabalhadores, que têm suas funções desvalorizadas em nossa atual sociedade.

Deste modo, fatores/estados como a pobreza, o desemprego ou emprego precário, as minorias étnicas ou culturais, pessoas com orientações sexuais inusuais, deficientes físicos e mentais, os sem-teto, os idosos e os trabalhadores informais podem originar grupos excluídos socialmente, mas não é a regra que seja assim.

A pobreza pode, por exemplo, levar a uma situação de exclusão social, porém esse trabalhador de uma classe social mais humilde pode, mesmo, assim, estar integrado em seu ambiente, em sua comunidade. 

Indiferença ou preconceito estrutural? Aqui, o valor do estudo e do conhecimento. 

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Sair de Brasília sem destino, curtindo estradas  revigoradas, com jeito de novas e com os perigos de sempre. Do planalto central, saindo por Goiás e chegando a Minas, parar nas pequenas cidades, comemorar suas praças e adentrar seus bares impregnados de estórias. Estórias de cidades pequenas. Na saída, sem pressa, sentir o cheiro da terra molhada, contemplando a meninada oferecendo frutas à beira da estrada.

Cruzar parte da Bahia, atravessar a costela mindinho de Sergipe, dar um alô a Alagoas, chegar em Pernambuco, admirar seus canaviais e seus riachos magros, de caminhada lenta. Adentrar a Paraíba e chegar ao Rio Grande do Norte. Em Natal, a sensação de sentir o mar conjurando com o meu intuito de despedida.

Em Açu, contemplar duas placas, enigma ainda hoje sem resposta. Por que Açu antes do rio e Assu depois? Para conferir, caminhar por suas ruas e conhecer seu povo. E a resposta virá, acredito. Afastando-me das duas placas, ter a ventura de admirar o voo de um carcará. Ou será pedir demais? De passagem por Mossoró, entrar pela vez derradeira em seu Mercado Público, deixando ali o meu último olhar extasiado, preso à visão de bugigangas do povo, expostas em um tumulto organizado.

Na estrada, no rumo de Areia Branca, vislumbrar as casinhas que tentam se esconder atrás de pequenos arbustos, tendo ao lado um cavalo mecânico petroleando o progresso a qualquer custo. Quilômetros mais feliz, vislumbrar uma placa – Areia Branca a 20 km – e sentir o cheiro do salitre dominar minhas entranhas, minhas vias, todas, e meus sistemas e aparelhos, todos.

Na chegada, ao avistar Upanema à minha direita, uma parada, talvez a última, com a alegria ainda ativada por rever Pedrinhas e Casqueira. Caminhar devagar até o velho Farol, em uma reverência silenciosa, daquelas de antigamente, quando a gente beijava a mão de nossos pais. O mar, ao fundo, a colecionar estórias de pescadores.

No Cais da Rua da Frente (lembrança de Marco Juno), uma olhada para o rio Ivipanim,  em um genuflexo com jeito e sabor de despedida. Ali, erguer o olhar e contemplar o manguezal que emoldura o outro lado do rio, satisfazendo-me com a visão de uma canoa cesariando a barriga do rio da minha infância.

Pela última vez, caminhar pela Rua do Meio, naquele pedacinho que vai da Pracinha ao Cine Coronel Fausto – especialmente do lado direito -, buscando aqui e ali vestígios de antigas pegadas inscritas em cimentos ainda frescos. No fechando o Portal da Rua do Meio defronte àquela esquina da qual tanto falamos, encerrando a página derradeira do meu livro. Sair sem voltar o olhar.

Na Pracinha, agora renovada, deixar algumas gotas expelidas quase sem pressão por glândulas lacrimais em desalinho. Mirar em frente, no rumo do antigo açude, e caminhar pelas ruas – hoje asfaltadas -, e ouvir o povo com seus falares sotaqueados de minha meninice, revirando e tentando renovar as energias de um corpo incapaz de reter e manter um nível adequado de carga. Sinal da bateria no vermelho.

Tenho que empreender essa caminhada.

E sinto que não posso demorar.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Por volta de 1958, estudante do Grupo Escolar Conselheiro Brito Guerra, visitei Mossoró pela primeira vez. Lá, conheci o Cine Pax, um prédio majestoso, com suas colunas para mim monumentais. Lá, também fui apresentado a um sinal de trânsito e a um banco. Voltei a Areia Branca encantado. 

Retornei a Mossoró muitos anos depois, para assistir ao musical Chuva de Bala no País de Mossoró, e mais uma vez retornei envolto em uma aura de encantamento. Encontrei uma cidade limpa, com excelente revestimento asfáltico nas ruas, em sua maioria largas e arborizadas. Também encontrei terrenos baldios limpos e com mato cortado, fato difícil de ser observado na maioria das cidades brasileiras.

O musical é de excelente qualidade técnica, montado com esmero e carinho, como parece ser quase tudo naquela cidade. Na capital do oeste, não deixei de observar a qualidade da construção dos equipamentos comunitários, especialmente as praças. Pareceram-me construídas com cuidado, e a qualidade do material utilizado chama a nossa atenção, bem como sua manutenção. Praças impas, com as árvores e o verde bem cuidados.

Pela manhã, saí no rumo das salinas, orientado pela sequência de cavalos-mecânicos que extraem a riqueza do subsolo, sabendo que, a partir de Upanema, entraria na zona urbana de Areia Branca, a terra salitrada da minha meninice. Juntamente com meus anfitriões, contemplei o rio Ivipanim e o manguezal, entrei na igreja e passei pela Rua do Meio, por onde costumava caminhar quando adolescente.

Os amigos adoraram Areia Branca. Fomos almoçar no restaurante Passárgada, em Upanema, onde lá sou amigo do dono. Encontrei Toinho Tavernard concentrado, dando os últimos retoques em um quadro (óleo sobre tela), e trouxe para Brasília uma de suas produções. 

Hoje, em minha sala, no coração do planalto central, reina uma tela do maior artista dos pincéis em toda a história da cidade. Na tela, uma antiga salina tomou forma e, nos braços da magia e no enlevo da poesia, posso imaginar-me pilotando a Argus e, evaldonauta, retornar menino aos primórdios de Areia Branca, quando o sal era produzido de forma artesanal. 

Em Mossoró, Chuva de Bala. Em Areia Branca, a constatação de que não conheço mais ninguém.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

BARCOS DE AREIA BRANCA

Quando crianças, parávamos o que estávamos fazendo para assistir ao espetáculo que era a chegada de um iate, às vezes com bandeirolas coloridas, deixando o seu riscado nas águas do rio Ivipanim. A meninada ficava em polvorosa, e saía correndo para a beira do cais. Uma festa.

De passagem pela Hungria, na chegada a Budapeste, a capital que de um lado do rio é Buda e do outro é Peste, cada um com seus encantos e seus palácios de requintada beleza, nos encantamos com uma variedade de barcos enormes para transporte de turistas pelo rio Danúbio.

Nosso arsenal de barcos não passava de algumas barcaças, barcos de pesca, lanchas pequenas, rebocadores e as canoas que faziam o transporte de passageiros entre Areia Branca e Barra/Pernambuquinho. Em alguns dias da semana, recebíamos os barcos dos beijus, com suas frutas, rapaduras, goma, cachaça. E muita agitação junto à Rampa.

Aqui, como em Areia Branca da década de 1950, a vida é vivida também nos barcos, hoje de tamanhos gigantescos e de beleza estonteante. Boa parte da riqueza da União Europeia circula pelo Danúbio, com suas águas limpas.

Barcos, pequenos e gigantescos, quase sem fim. Alegria das crianças e dos grandões.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

maio 2024
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