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Os detalhes estão nas pequenas coisas, esquecidas pelos apressados, ocupados com os grandes eventos, que rendem pixels e flashes. O ideal é dispormos de tempo para perceber os movimentos sutis, satisfazermo-nos com um detalhe simples, capaz de tocar nossa sensibilidade e nos emocionar.
Em Areia Branca, a sensação de ver o rio Ivipanim de rostinho colado com o mar, naquele remanso gostoso da preamar, no Pontal. Ali, a justa medida do sonho. O mar, obedecendo à determinação do oceano, vai, na sequência, constranger o rio, com o uso abusivo de sua força, empurrando-o de volta, enquanto a maré se prepara para mais um evento de sizígia, inundando os manguezais com suprimentos e visitantes.
Em uma viagem de trem, perceber um rostinho de criança colado ao vidro do vagão, contando aos gritos árvores e casinhas distantes que passam correndo ao lado da estrada.
Visitando um imenso cemitério, perceber uma vela acesa no menor dos túmulos, no despertar da manhã. Aqui, a resiliência da saudade.
Nos movimentos sociais, emocionar-se com rostos sofridos e mensagens de não acomodação, em protesto ao que aí está posto, sempre.
Em um quintal, a valorização de uma pitangueira prenha de flores, bem ao lado de um condomínio de formigas. Se percorrer a área com cuidado, vai identificar alguns olhinhos de saguis e, no alto da árvore ao fundo, um sabiá ensaiando o canto para sua amada, na árvore do vizinho. Aqui, a voz da natureza, que é uma das formas de Deus..
Ainda no quintal, emocionar-se com o canto (grasnado) de um tucano no alto de uma árvore, e em seguida acompanhá-lo em seu voo.
Em São Paulo, descobrir -se rindo com este aviso em uma lanchonete: Pastel de vento em falta.
Em Areia Branca, contemplar a paz que emana deste perna de pau gigante, na beira do cais, tendo ao fundo um intrigante pôr do sol! Não sei quem é o autor desta foto.
Nada aqui é grandioso por si, mas o é por nós.
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EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Sair de Brasília sem destino, curtindo estradas revigoradas, com jeito de novas e com os perigos de sempre. Do planalto central, saindo por Goiás e chegando a Minas, parar nas pequenas cidades, comemorar suas praças e adentrar seus bares impregnados de estórias. Estórias de cidades pequenas. Na saída, sem pressa, sentir o cheiro da terra molhada, contemplando a meninada oferecendo frutas à beira da estrada.
Cruzar parte da Bahia, atravessar a costela mindinho de Sergipe, dar um alô a Alagoas, chegar em Pernambuco, admirar seus canaviais e seus riachos magros, de caminhada lenta. Adentrar a Paraíba e chegar ao Rio Grande do Norte. Em Natal, a sensação de sentir o mar conjurando com o meu intuito de despedida.
Em Açu, contemplar duas placas, enigma ainda hoje sem resposta. Por que Açu antes do rio e Assu depois? Para conferir, caminhar por suas ruas e conhecer seu povo. E a resposta virá, acredito. Afastando-me das duas placas, ter a ventura de admirar o voo de um carcará. Ou será pedir demais? De passagem por Mossoró, entrar pela vez derradeira em seu Mercado Público, deixando ali o meu último olhar extasiado, preso à visão de bugigangas do povo, expostas em um tumulto organizado.
Na estrada, no rumo de Areia Branca, vislumbrar as casinhas que tentam se esconder atrás de pequenos arbustos, tendo ao lado um cavalo mecânico petroleando o progresso a qualquer custo. Quilômetros mais feliz, vislumbrar uma placa – Areia Branca a 20 km – e sentir o cheiro do salitre dominar minhas entranhas, minhas vias, todas, e meus sistemas e aparelhos, todos.
Na chegada, ao avistar Upanema à minha direita, uma parada, talvez a última, com a alegria ainda ativada por rever Pedrinhas e Casqueira. Caminhar devagar até o velho Farol, em uma reverência silenciosa, daquelas de antigamente, quando a gente beijava a mão de nossos pais. O mar, ao fundo, a colecionar estórias de pescadores.
No Cais da Rua da Frente (lembrança de Marco Juno), uma olhada para o rio Ivipanim, em um genuflexo com jeito e sabor de despedida. Ali, erguer o olhar e contemplar o manguezal que emoldura o outro lado do rio, satisfazendo-me com a visão de uma canoa cesariando a barriga do rio da minha infância.
Pela última vez, caminhar pela Rua do Meio, naquele pedacinho que vai da Pracinha ao Cine Coronel Fausto – especialmente do lado direito -, buscando aqui e ali vestígios de antigas pegadas inscritas em cimentos ainda frescos. No fechando o Portal da Rua do Meio defronte àquela esquina da qual tanto falamos, encerrando a página derradeira do meu livro. Sair sem voltar o olhar.
Na Pracinha, agora renovada, deixar algumas gotas expelidas quase sem pressão por glândulas lacrimais em desalinho. Mirar em frente, no rumo do antigo açude, e caminhar pelas ruas – hoje asfaltadas -, e ouvir o povo com seus falares sotaqueados de minha meninice, revirando e tentando renovar as energias de um corpo incapaz de reter e manter um nível adequado de carga. Sinal da bateria no vermelho.
Tenho que empreender essa caminhada.
E sinto que não posso demorar.
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EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Por volta de 1958, estudante do Grupo Escolar Conselheiro Brito Guerra, visitei Mossoró pela primeira vez. Lá, conheci o Cine Pax, um prédio majestoso, com suas colunas para mim monumentais. Lá, também fui apresentado a um sinal de trânsito e a um banco. Voltei a Areia Branca encantado.
Retornei a Mossoró muitos anos depois, para assistir ao musical Chuva de Bala no País de Mossoró, e mais uma vez retornei envolto em uma aura de encantamento. Encontrei uma cidade limpa, com excelente revestimento asfáltico nas ruas, em sua maioria largas e arborizadas. Também encontrei terrenos baldios limpos e com mato cortado, fato difícil de ser observado na maioria das cidades brasileiras.
O musical é de excelente qualidade técnica, montado com esmero e carinho, como parece ser quase tudo naquela cidade. Na capital do oeste, não deixei de observar a qualidade da construção dos equipamentos comunitários, especialmente as praças. Pareceram-me construídas com cuidado, e a qualidade do material utilizado chama a nossa atenção, bem como sua manutenção. Praças impas, com as árvores e o verde bem cuidados.
Pela manhã, saí no rumo das salinas, orientado pela sequência de cavalos-mecânicos que extraem a riqueza do subsolo, sabendo que, a partir de Upanema, entraria na zona urbana de Areia Branca, a terra salitrada da minha meninice. Juntamente com meus anfitriões, contemplei o rio Ivipanim e o manguezal, entrei na igreja e passei pela Rua do Meio, por onde costumava caminhar quando adolescente.
Os amigos adoraram Areia Branca. Fomos almoçar no restaurante Passárgada, em Upanema, onde lá sou amigo do dono. Encontrei Toinho Tavernard concentrado, dando os últimos retoques em um quadro (óleo sobre tela), e trouxe para Brasília uma de suas produções.
Hoje, em minha sala, no coração do planalto central, reina uma tela do maior artista dos pincéis em toda a história da cidade. Na tela, uma antiga salina tomou forma e, nos braços da magia e no enlevo da poesia, posso imaginar-me pilotando a Argus e, evaldonauta, retornar menino aos primórdios de Areia Branca, quando o sal era produzido de forma artesanal.
Em Mossoró, Chuva de Bala. Em Areia Branca, a constatação de que não conheço mais ninguém.
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EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN