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Esta semana conversei com Francisco, meu irmão mais novo, o empreendedor da família. Da conversa sobre assuntos gerais, logo surgiu o tema do futebol. Ele lembrou que, nos dias de jogos no Campo da Saudade, a criançada (ele inclusive) ficava na porta do campo esperando algum jogador conhecido. O jogador, ao entrar, colocava a mão na cabeça de um ou dois garotos e todos entravam sob seu guarda-chuva. Ainda havia os fura-fila.

Relembrou as famosas e icônicas cambalhotas de Charuto, ao defender as bolas, lembrando as estripulias de Higuita, goleiro colombiano protagonista na criação de maluquices, ícone da irreverência dentro de campo. Lembrou de Dedeca Simeão, que em sua avaliação era o melhor e mais elegante jogador de Areia Branca. Dedeca era zagueiro central, considerado uma lenda pela potência de seus chutes. Durante um jogo no Campo da Saudade, Dedeca deu um chute tão forte que a bola subiu à altura da torre da igreja, e caiu murcha. Furou.

Com a narração entrecortada por grandes risadas, Francisco contou que certa vez, durante um jogo decisivo de um time de Areia Branca contra uma equipe de Mossoró, aconteceu algo muito inusitado. Naquela época havia uma cerca de madeira em torno do gramado, e as pessoas ficavam assistindo ao jogo apoiadas na parte de cima dessa cerca. Um rapaz de Areia Branca, como faziam quase todos os adultos, assistia ao jogo de pé, com os cotovelos sobre a madeira, em grande empolgação, e aos gritos incentivava os jogadores do time local.

O jogo evoluiu, e o rapaz aos berros, muito agitado, participando de cada jogada. Seu isso, seu aquilo; filho dessa, filho daquela; desse jeito, roubando, não dá! A certa altura do jogo, um zagueiro do time de Mossoró, em um puro sem-querer-querendo, deu um bico violento na bola e ela foi direto no saco escrotal do sujeito empolgado, que caiu para trás, estatelado, perdendo os sentidos. Foi socorrido pelas pessoas que estavam em sua volta e minutos depois estava com seu nível de consciência restaurado. Na sequência, sacou uma faca, entrou em campo correndo atrás do jogador do time de Mossoró. A partida teve que ser suspensa, para que o pretenso agressor fosse contido, retirado de campo, e o jogo pudesse ser reiniciado.

Campo da Saudade. Futebol, vibração, alegrias e muitas trapalhadas.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Esse texto é uma requentada de outro com mesmo título, escrito em 2004. Não lembro se, e onde o publiquei naquele ano, mas em 2008 ele foi publicado aqui (https://areiabranca.wordpress.com/2008/05/02/nos-de-macatuba-eles-de-amarcord-2/). A presente versão foi publicada na terceira edição de O PIRATA – Jornal Cultural da Ilha da Maritacaca, lançado no dia 11 de agosto de 2012 no Centro de Exposições e Eventos de Mossoró – Expocenter, durante a 8ª Feira do Livro de Mossoró.

Areia Branca é como qualquer cidadezinha de qualquer parte do mundo. Com seus personagens típicos em quase tudo similares. Basta repassar a literatura e o cinema para verificarmos conexões comportamentais entre sociedades sem qualquer conexão geográfica. Minha referência neste assunto é o filme Amarcord (http://pt.wikipedia.org/wiki/Amarcord). A Amarcord de Fellini está para Macatuba, a cidade imaginária de Tarcísio Gurgel (irmão de Deífilo), assim como Rimini está para Areia Branca. Sempre que encontro Tarcísio Gurgel esqueço de lhe perguntar se Macatuba é Mossoró ou uma mistura de Mossoró com Areia Branca, e quanto de realidade existe nos seus personagens. Embora satisfaça minha curiosidade, esse tipo de informação tem pouca importância para o que escreverei a seguir. Obra de ficção ou relato real sempre toma as cores que o nosso cérebro determina. Tem a obra do autor e a obra do leitor. As duas podem ser, e usualmente são muito diferentes.

É por isso que Amarcord e Macatuba se me apresentam como Areia Branca, pelo menos no universo de alguns de seus marcantes personagens. Aqui, desse lado de cá do equador não temos as estações climáticas tão demarcadas como na terra de Fellini, de modo que jamais teríamos em Macatuba a cena inicial de Amarcord, onde se festeja o fim do inverno e o início da primavera, mas a passagem do transatlântico naquela parte do mar adriático não poderia ser substituída pela chegada do hidroavião no rio Ivipanim? A propósito, as filmagens marítimas exploradas por Fellini são emocionantes. Um dos ângulos do transatlântico é de uma beleza extasiante. Deixaria Toinho do Foto de queixo caído. Alguns ângulos da água me fizeram retroceder aos banhos na maré. A tonalidade e a leve ondulação da água são idênticas!

Agora, o entorno social tem todos os ingredientes comuns às duas cidades. Em Areia Branca também não tínhamos uma diva do amor, que habitava os sonhos de homens de todas as idades, como a Gradisca de Amarcord? E também não tínhamos uma gostosa como Volpina, que todo possuidor de testosterona desejava? E os bobos, sujeitos às não raras perversas gozações dos malvados?

Não tínhamos a presença do fascismo de Mussolini, como os habitantes de Amarcord, mas, pelo menos a geração dos anos 1940 pode testemunhar eventos dolorosos e mostrar cicatrizes da ditadura militar implantada em 1964. Nossas referências nos bancos escolares não tinham ligação com a nossa história sócio-política, mas tínhamos o famoso e festejado rigor disciplinar da professora Geralda Cruz, para citar apenas um ícone da nossa educação.

Amarcord tem um farol, como na praia de Upanema. Em Amarcord os meninos sacanas incomodam o ceguinho que toca acordeon e roubam-lhe a bengala. Em Areia Branca a meninada traquina infernizava Casca-de-ovo, um doidinho manso que adorava acompanhar procissão. Consta que certa vez entoava-se na procissão “o meu coração é só de Jesus, a minha alegria . . .”. Nesse exato momento alguém gritou “Casca-de-ovo!”. A resposta irada saiu na hora, na sequência e no embalo da música “. . .é o cu da mãe”. Em Amarcord, Bischaine, o vendedor bobo-da-corte, mente feito nosso Chico Pavão.

Em Amarcord os adolescentes masturbam-se em grupo, no interior de uma garagem. Em Areia Branca,… ah, se o Campo da Saudade falasse! Era este o nome do campo de futebol da cidade até o início dos anos setenta. Tinha esse nome porque era ao lado do cemitério. Ali, nos anos 1960, havia campeonatos de esperma à distância. Depois, todo mundo ia alegremente jogar futebol, ainda com testosterona à flor da pele.

Tem uma cena em Amarcord em que vários rapazes simulam danças com suas desejadas. Isso a gente não fazia em Areia Branca, pelo menos não na presença de outros, mas, devo confessar que na solidão do meu quarto dançava embalado pelos braços imaginários da tão sonhada amada, ao som de um desafinadamente balbuciado besame mucho.

Em Amarcord há uma corrida automobilística noturna, uma epopéia no imaginário Felliniano, tal qual poderíamos fazer com a aventura de Toinho de Eneas pedalando, sem parar, 72 horas na praça do Tirol, apenas ingerindo líquidos. Se bem documentado, só aquilo daria um filme. Não tenho registros na memória para auxiliar um eventual Fellini areia-branquense. Lembro apenas da diversão de todos quando nosso resistente ciclista queria, no dizer de antigamente, verter água. Jogava um balde de água verdadeira sobre si para ninguém ver a urina escorrendo por sua perna.

Ao final da corrida, o ganhador é premiado com a presença de Gradisca, que senta ao seu lado para uma volta triunfal. Isso alimenta a imaginação de um gordinho, sempre rejeitado pela bela ninfeta Alpina. No seu sonho ele se vê ganhador da corrida. Pára o carro e grita por Alpina, sentada numa sacada ao lado de um belo jovem. Quando ela responde ao chamado com um meigo sorriso, o gordinho, herói no seu próprio sonho, dá-lhe uma enérgica banana. Vê se isso não é quase a mais coisa de uma história que me contaram como verdadeira, acontecida no Ivipanim Clube dos anos 60? Um rapaz vinha sistematicamente sendo rejeitado por uma bela menina. Mas, tanto insistiu que finalmente ela cedeu e foi dançar com ele. Bem no meio do salão, ele se afastou e disse, em alto e bom som, você peidou!

Amarcord inicia na primavera de um ano e termina na do ano seguinte. Portanto, antes do final seus habitantes passam pelos rigores do inverno. Para as crianças aquilo é uma festa. Quem antes da puberdade não gostaria de jogar bolas de neve nos outros? Um Fellini areiabranquense provavelmente registrasse nossas brincadeiras depois de uma boa chuva. As ruas de terra batida pela água eram propícias para jogos de futebol, de bandeirinha e sobretudo de fura-chão. Era uma festa!

Para além das minhas conexões afetivas, aprecio Amarcord porque é um filme maravilhoso, um dos melhores de Federico Fellini. Assim como também aprecio “Os de Macatuba”, livro de contos de Tarcísio Gurgel, publicado em primeira edição em 1974, e em segunda edição em 1986, pela Clima, porque é uma obra-prima, no sentido objetivo e temporal e no sentido figurado que se dá a uma obra de valor.

Amarcord é uma corruptela da expressão “io me recordo” (eu me lembro), usada na região onde nasceu Fellini. De fato, Amarcord não é o nome do vilarejo italiano onde o filme se passa, mas todo mundo passou a associar o título ao nome do vilarejo fictício e, por extensão, a Rimini, a cidade natal do cineasta. Então, de vez em quando alguém diz: Amarcord é a Rimini de Fellini. O filme se passa no período exato de um ano, entre a primavera de 1940 e a de 1941, início da Segunda Guerra Mundial. Portanto, no período retratado Fellini já tinha 20 anos, não havendo assim correlação temporal entre o relato e sua vida pessoal. Além do mais, ele nega o caráter autobiográfico da obra, mas reconhece semelhanças com a sua própria infância em Rimini. Pronto, não precisei de mais nada para dizer que nas estripulias infantis, a Rimini de Fellini é a nossa Areia Branca. Sem conexão geográfica, nem temporal, apenas ligados por aquilo que Jung costumava definir como inconsciente coletivo e por pequenas coincidências em equipamentos públicos. Aí está o tempero necessário e suficiente para dar o ponto certo na nossa imaginação.

Areia Branca perdeu, nesse mês de novembro, duas personalidades do seu folclore. A história das traquinagens adolescentes na salinésia não pode ser contada sem amplas referências a Zé Moconha. Da mesma forma, a história do nosso futebol passa obrigatoriamente pelas diabruras nascidas nos pés de Lourinho. As datas me foram informadas por Antônio José. Dedé de Antônio Noronha, se foi dia 10 e ontem, 24, foi a vez de Lourinho de Chico Mariquinha.

Ambos foram objeto de crônicas nesse blogue, cujos links apresento abaixo para um momento de singela homenagem.
https://areiabranca.wordpress.com/2008/12/03/ze-moconha/

https://areiabranca.wordpress.com/2009/02/07/lourinho/

https://areiabranca.wordpress.com/2009/08/08/o-dono-da-bola/

https://areiabranca.wordpress.com/2009/09/14/madureira-cheio-de-gloria/

Não, não pense que ele fazia sofismas, qual o pensador grego. O “jogador socrático” aqui significa que ele possuía aquele físico longilíneo e refinada arte no domínio e no gingado com a bola, como o craque da seleção brasileira de 1982 e 1986. Só o vi uma vez em ação. Foi o bastante para jamais esquecê-lo. Tinha esquecido seu nome, mas Celso Luiz, com sua memória de elefante, me socorreu: era Felinho. Deve estar beirando os 70 anos hoje em dia.

Naquela época, 1957-1959, eu, com meus 10 anos de idade morava na Silva Jardim. O Ypiranga ia enfrentar um time de fora, Mossoró, Macau ou Açu, não lembro. Acho que era de Mossoró, mas isso tem pouca importância. O fato importante é que o jogo se anunciava difícil, previsão comprovada ao longo de boa parte da partida. Não lembro de quanto ganhamos, mas a jogada que selou nossa vitória não me sai da memória.

Felinho era centroavante, “center for”, como diziam os contemporâneos do meu pai (Center forward é a expressão correta). Estava na sua posição de ofício quando a bola lhe chega na altura do peito. Faz o movimento clássico de quem conhece o metiê: estufa e encolhe o peito rapidamente; a bola, magnetizada pela beleza do movimento torácico, ali gostaria de ficar parada, mas Felinho a deixa escorregar até o seu pé direito, dá um balãozinho no adversário e estufa a rede. Lembra aquele gol que Pelé fez na Suécia? Foi igualzinho!

Foi uma gritaria no Campo da Saudade, diria mesmo uma quase histeria naquela ensolarada tarde de domingo. Não sei se aquilo aconteceu no último minuto do jogo, mas tudo que me aparece na memória diz que o jogo acabou em seguida. Felinho foi rodeado de admiradores, na maioria crianças e adolescentes, eu entre eles, para testemunhar e contar essa história. Ele jogava como Pelé, e sambava como um passista carioca, sambou ali mesmo na roda de seus admiradores.

Mas, quem era Felinho, esse prodígio areia-branquense? Pelo que lembro, era de Aracati, estava de férias em AB, coincidentemente na casa de alguém que morava na Silva Jardim, entre a esquina da nossa casa e a travessa dos Calafates. Mais do que isso não lembro.

No final dos anos 1990 estive em Areia Branca, oportunidade em que consultei o extraordinário acervo fotográfico de Chico de Janjão. Essa foi a parte alegre da visita. A parte triste foi o estado de saúde de “Seu” José Solon. Na visita simbólica que lhe fiz, fiquei na calçada com meus diletos amigos, Dedé (filho), Carlos Soares (genro)  e Celso Luiz (vizinho). Foi nessa conversa de rememorações que discutimos o primeiro filme no Cine Miramar, e Celso me lembrou o nome de Felinho. Disse que ainda costumava visitar AB.

Alguém lembra desse acontecimento?

lourinho1Lourival Rocha é seu nome, Chico Mariquinha seu pai. A foto ao lado retirei de uma foto maior, exposta em http://portalcostabranca.blogspot.com/2008/10/reviva-areia-branca-do-passado-no-nosso.html. O portal não informa a autoria da foto. Talvez seja de Antônio do Vale, mas não há sua famosa assinatura, AVale.

Entre 1953 e 1959 morei na rua Silva Jardim, quase ao lado da casa do seu pai. Na adolescência cheguei a jogar futebol de Salão com ele, acho que no Renner (com Chico Carlos, Décio de Pascoal) e no América de Jonas de Josué, com Chico Carlos, de quem falarei em outra oportunidade.

Tenho na memória duas historinhas. Uma eu presenciei, boquiaberto, no Campo da Saudade. A outra me foi relatada pelo meu irmão, Clécio, e teria acontecido na quadra de Futebol de Salão (Praça de Esportes Maria Duarte). 

Não lembro o ano (década de 1960) nem o time pelo qual ele jogava. Muito menos o time adversário. Mas, a jogada, que jogada, está ainda hoje nítida na minha memória. Parece que estou me vendo de pé na lateral do campo, na altura da meia-cancha adversária. Lourinho atacava pela ponta esquerda, a cinco metros de onde eu estava, quando alguém deu um balão em sua direção. Foi um alvoroço naquela zona do campo. Os defensores, uns dois ou três correram para o local, olhando para cima e se encandeando, enquanto a bola descia. Lourinho ali, parado, olhando com calma a trajetória da bola. Quando ela aproximava-se do chão, deu dois ou três passos para trás. A bola quicou em algum buraco do terreno, encobriu os defensores e foi cair mansa no seu peito. Depois do primoroso lançamento para a pequena área, seu centro-avante, que não lembro quem era, cumpriu a tarefa do seu métier com um gol antológico.  

Lourinho não era apenas um jogador genial, era um malandro. Sabia driblar e irritar os adversários, duas armas fatais no futebol. No time de futebol de salão adversário, um marcador implacável, fungando, como se diz na gíria futebolística, sem parar. Bola na direção de Lourinho e lá vinha o zagueirão junto. Conhecedor do pavio curto do adversário, Lourinho postou-se atrás e passou a mão na sua bunda. Coisa que qualquer jogador de futebol suporta olimpicamente, não aquele zagueirão. “Não faça isso, sou homem casado”, disse irritado com o dedo em riste. Lourinho corre de um lado para outro, deixa passar umas duas jogadas e de novo passa-lhe a mão, dessa vez com um pouco mais de vigor. Não deu outra, o zagueirão virou-se, meteu a mão na cara de Lourinho e foi expulso.

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