Fico em estado de completa satisfação intelectual e emocional por causa dessas oportunidades de recuperação histórica que este espaço nos proporciona. Para além dos registros factuais, pipocam questões de natureza mais profunda, como aquela deixada por Marco Juno em comentário que fez a respeito da crônica de Evaldo, As crianças da rua da frente: por que a infância é o paraíso da vida?

Não tendo a habilidade que esses dois colegas demonstram para a elaboração de textos cravados de informações factuais com recheios poéticos da mais notável sensibilidade, limitar-me-ei a fazer breves adendos geográficos e referências pessoais à referida crônica de Evaldo. Desde já peço desculpas, Evaldo, por não fazê-lo na forma de comentário, como fez Dedé de Zé Lúcio, pois necessito de espaço para ilustrações.

Assim como Dodora, depois de quase 40 anos encontrou uma prima ou amiga aqui no blogue, acho que acabei de encontrar um primo nesta crônica de Evaldo. Antonio Costa Junior deve ser Antonio de Tatá, irmã da minha mãe. Tempos atrás escrevi um texto aqui no blogue relatando minhas viagens de AB a Carro Quebrado. A travessia até a Barra era feita naquelas maravilhosas canoas. Em breve retomarei o assunto.

No croqui abaixo, extraído do livro de Deífilo Gurgel, Areia Branca: a terra e a gente, demarquei quatro regiões, de A a D.

As regiões A e B são separadas pelo eixo central, que tem início na Igreja e termina na Maternidade (não incluída no croqui de Deífilo). Veja abaixo, uma foto do saudoso Antônio do Vale para uma perspectiva real em 1953. No primeiro plano, o telhado da Igreja. O terceiro toldo à esquerda era do bar de Clodomiro, meu pai, na esquina do Beco de Alfredo Priquito, atual Rua Padre Afonso Lopes. O primeiro prédio à esquerda é onde funcionou, nos anos 60, a sinuca de Chico Amaro. O segundo prédio foi a loja de Ribinha. Esses dois prédios demarcam o início da rua Coronel Liberalino, o lado A da rua do meio. No entanto, a partir dos anos 60, se bem me lembro, apenas a rua Coronel Fausto era considerada como a rua do meio. Ou seja, a Cel. Liberalino não era conhecida com rua do meio, embora Deífilo use essa denominação no seu croqui, e Evaldo assim também se refira àquela rua. Explicação possível: Evaldo preserva a denominação que pode ter existido antes dos anos 60. 

Embora Evaldo tenha trabalhado com Dr. Vicente, no lado B da rua do meio, seu imaginário é certamente povoado pela gente e acontecimentos do lado A. A foto abaixo, de 1970, mostra a rua do meio referida por Evaldo, aquela onde ficava os fundos da sua casa.

Antes de prosseguir, gostaria de fazer uma observação referente à nossa percepção espacial, e que tem a ver com os relatos de Evaldo. Durante minha adolescência em Areia Branca, meu “mundo” praticamente se restringia ao espaço entre a praça da Matriz e a rua das almas. De vez em quando ia jogar futebol de salão na quadra entre o Correio/Ivipanim Clube e o Grupo Escolar, aos domingos eventualmente ia ao Cine São Raimundo. Tinha a impressão, naquela época, que esses lugares eram “longe”. Mais de duas décadas depois, voltei a AB e percebi que para ir da Igreja ao Correio era um pulinho de nada. Acho que é esse o mesmo sentimento quando Evaldo diz que “AB era muito grande, e a gente raramente saía para aqueles lados”, os lados B do croqui, ao qual se referiu Dedé de Zé Lúcio. Na nossa adolescência, os lados C e D eram as ruas de trás, muito longe do nosso mundinho na rua do meio.

Então, vamos ao lado B, numa narrativa factualmente incompleta por falta de memória. Na virada da década de 1950 para 1960, o grande “point” do lado A era a casa de Zé Tavernard, não apenas por causa das suas belas filhas, mas por causa dos picolés caseiros que dona Didiz fazia tão bem. Eu costumava ficar com os trocos das compras que minha mãe me pedia para fazer durante o dia, para torrar tudo à noite na casa de Zé Tavernard.

Para ir do Jardim (Praça da Matriz) à minha casa, na rua das almas, eu tinha duas alternativas: pela rua do meio ou pela rua da frente, no lado B do croqui. Como Dedé de Zé Lúcio já mencionou a turma da rua da frente do lado B, Vamos pela rua do meio.

Começando da praça, vejo logo à esquerda, fazendo esquina com a Prefeitura, a casa de Manoel Bento, que já no início dos anos 60 foi local de repartições públicas. Ao lado, a casa de doutor Gentil. Muita gente amiga, já mencionada mais de uma vez neste blogue. Cada um ou cada uma com suas características e atributos pessoais, como a beleza de Evangelina, o bom humor de Axel e Chico Zé, a presteza de Júnior, a inteligência de Izolda, a paixão por futebol de Ronald. 

À direita a casa de Zé Lúcio, ao lado da Coletoria Estadual. Naquela casa, que visitei algumas vezes na companhia dos meus amigos Dedé, Aristides, Toninho e Fernando, este último mais amigo do meu irmão, Clécio, por uma simples razão cronológica. Na adolescência, diferença de dois ou três anos de idade coloca crianças em grupos diferentes. Fernando e Clécio eram apenas “intrusos” na nossa tribo.

Depois da casa de Zé Lúcio, o Cine Miramar, as casas de doutor Vicente (Marconi, Marta, Márcia, Marco Aurélio, Marcelo), Antônio Calazans, sobre quem já escrevi aqui e ainda deverei escrever, pois tenho laços afetivos e familiares muito fortes com toda essa família, e seu Arquelau.

À esquerda a casa de Arnaldo. Airton foi meu contemporâneo e Naldinho um pouco mais novo era de outra tribo. Acho que o fato de Airton não ser chegado a esportes seja uma das razões da minha pouca proximidade a ele. Todos os meus amigos mais próximos compartilhavam algum tipo de atividade esportiva. Não lembro de Airton em nenhuma delas, nem mesmo nas estripulias que aprontávamos em dias de maré cheia. Quase em frente à casa de Arnaldo, à direita da rua, a casa do meu querido amigo Celso Luiz. Todos sabíamos que a gíria “reinar” parecia ter sido criada para ele. Ninguém “reinava” com tanta intensidade na nossa época. Para quem não conhece o neologismo, “reinar” significava trincar os dentes e fala com cara de poucos amigos.  Se quisessem vê-lo reinando era só fazer gracinhas com suas belas irmãs, maninha e Regina.

Logo depois da casa de Celso, as casas de Zé Solon (o sempre tranquilo Dedé, com uma observação engraçada na hora certa) e Azevedo. Em frente, à esquerda da rua, a casa de Geraldo Birunga. E quem habitava nessa casa? Meu querido amigo Azé, o memorialista deste blogue, Antonio José. Logo depois vinha o Castelinho dos Dantas, o Ginásio São Tarciso e prédio do Cine Cel. Fausto, que já não mais funcionava no início dos anos 60.

Em frente ao Castelinho, a casa de seu Adauto e seus simpáticos filhos, Sônia, Gilton, Genildo e vários outros mais novos. Ao lado da casa de seu Adauto, a casa de Pitita. Ali eu me sentia em casa. Dona Francisquinha me tratava como um filho, porque eu era quase irmão de seu filho mais velho, Flávio, e Clécio era quase irmão do filho mais novo Amaro. Muitas histórias agradáveis temos com meninas da nossa época, hein Flávio?

Aqui, entre o Castelinho e a casa de Antonio José, portanto, em frente às casas de Pitita, seu Adauto, Azevedo e Zé Solon, era um dos locais preferidos para nossas animadas peladas, gol a gol e bandeirinha.

Antes de dobrar à direita, na rua Dr. Almino (atual Deputado Manoel Avelino), as casas de Chico de Janjão, vizinha à de Pitita, a casa de Toinho Pixico e um prédio alto que foi a loja de Chico Leite, acho. Esses imóveis são vistos à esquerda da foto acima, tirada da Dr. Almino, no final dos anos 60 ou início dos 70.

Vizinho a esse prédio, na rua Dr. Almino, morava Toinho do Foto. Em frente era a casa de Zé Brasil, Vertinho seu filho já foi tema de crônica neste blogue. Alguém sabe que este era o apelido do hoje Sr. Everton Brasil?

Em uma tarde daqueles anos 60, caminhando na rua Dr. Almino em direção ao cais, poderia ver uma turma grande reunida no meio da rua, em frente à casa de Seu Dimas, que fica ao lado da casa de Valdim de Cazumbá, à esquerda da rua. A posição é exatamente essa da foto, antes que a rua fosse calçada e o canteiro fosse colocado no centro. 

Chico Trajano, Sebastião, Wellington de Reinério, Flávio de Pitita, Antonio José, Wilson de João Quixabeira, Aristides, Toninho, entre outros. Tiravam par ou ímpar para formar os times. Eu me juntaria. Não perderia uma boa pelada por nada nesse mundo. Ainda mais que a maré estava enchendo e o banho depois do jogo seria uma alegria só.

Daquele local da pelada, com a Mossoró Comercial à esquerda e a casa dos Trajanos à direita, eu podia ver nossa casa, na rua das almas, ao lado da casa de João Rodrigues e d. Chiquinha. Altair era muito amiga das minhas irmãs e Rodrigues era da turma de Júnior, naquela época meu irmão mais novo. Ao lado da casa de João Rodrigues ficava a casa de Chico Paula, pai dos meus queridos amigos Laurinho, Titico, Duarte e Carlinhos. Tinha ainda Luiz e Lurdinha, mas eram muito novos naquela época.

Aquele beco em frente à nossa casa terminava com a oficina de Reinério. Entre a Mossoró Comercial (no andar superior morava seu Jacinto) e a oficina tinha o consultório de dr. Brás, os fundos das casas de Reinério, Zé Cirilo, pai de Marta, frequentadora assídua deste blogue, Zé Barros, e mais duas ou três casas que não lembro a quem pertenciam. Na foto abaixo, as frentes das casas mencionadas, em dia de maré cheia, transbordando o cais.