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Eu queria vê-la na pracinha em frente ao palacete municipal, mas não queria enfrentar sua aura de desinteresse.

Eu queria partir, mas não queria deixar aqui minha história de vida mal contada.

Eu queria nadar no rio Ivipanim, mas não estava disposto a discutir sua poluição.

Eu queria passear de canoa, como costumo fazer, mas não queria ver a parte de cima da Rua da Frente em ruínas, sem o Tirol e a Praça do Pôr do Sol.

Eu queria contar minha história, mas não queria narrar momentos de conflito, tensão e desespero.

Eu queria um passeio repleto de conversas e reminiscências, mas não queria acordar meus pensamentos. Optei pelo passeio mudo.

Eu queria curtir a alegria dos iates chegando, mas já pensava em que dali alguns dias eles partiriam.

Queria alugar uma bicicleta do Chiá, irmão de Popõe, ali na pracinha, mas não sei se aquela menininha veio para a Festa de Agosto. Sei que ela mora na Rua do Progresso, mas não sei em qual casa; nem sei o seu nome.

Eu queria aquele luar de Upanema, mas não queria a companhia daquelas nuvens encrenqueiras que tomaram conta da lua.

Na beira do cais, em dia de maré cheia, queria atirar uma pequena pedra no rio, para agitar suas águas, mas não queria assustar aquele peixinho que dias antes beliscara meu dedinho do pé em uma maré de sizígia.

Eu queria viajar naquele trem, em Porto Franco, mas não no último vagão, conhecido como vagão de frenagem, onde impera barulho e restos de fumaça. 

Na realidade, eu queria, mas não queria. 

Eu, anfibológico?

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Até o século XIX era comum um funcionário tomar conta do vagão de frenagem, tanto para acionar o freio após ouvir o apito indicativo do maquinista, quanto para vigiar o comboio (observar se não há ninguém entrando no trem sem autorização ou pegando “carona”, sobreaquecimento dos mancais dos eixos, cargas e outros equipamentos soltos). Wikipédia.

Quantas vezes, nos Natais de adulto, fico a imaginar a manhã do dia 25 de dezembro pelos idos de 1952, em Areia Branca. Éramos nove, e embaixo de cada rede havia um pequeno pacote. Descíamos das redes em alvoroço e lá estava um balão desses de aniversário. Era o nosso presente, e que maravilha! Ela nos disse: Dedé vai trazer um presente bonito, quando voltar da Inglaterra. Meu irmão, como eletricista da Marinha, era tripulante do Cruzador Barroso, navio que representaria o Brasil na coroação da rainha Elizabeth II. Os presentes se perderam pelo caminho. Mas restaram o acalanto e a esperança. 

Quantas vezes paramos para tentar ouvir, no redemoinho do tempo, frases de carinho, falas de conforto. E buscamos refúgio em algum momento de nossa meninice; a vida correndo sem freios no rumo das incertezas.

Quantas vezes, nas noites mal dormidas, quando a preocupação e o temor de adulto assolam nossa mente, recordamos um colo de amor que nos acolheu com firmeza, e ainda com o sabor de infância.

Quantas vezes, em momentos de desespero, logo imaginamos aquelas mãos repletas zelo e amor que nos livraram de tantas ameaças, trazendo conforto e aconchego.

Por quantas vezes, quando a vida corria célere para o desfecho definitivo, aquela voz surgida dos rincões da alma nos advertindo e nos guiando, liberando-nos do perigo. No momento seguinte, livre do terrível acidente, em meio ao choro e aos tremores, a lembrança de um rosto que certamente nos acompanhará até que a vida desista de nós.

Quantas vezes, em meio a terríveis pesadelos, gritamos por você, para logo em seguida sentirmos sua presença suave como um anjo.

Quantas vezes, nas noites em que a cruviana tinha encontro marcado com a serração, suores inundando nossos rostos de crianças, sua mão de pluma tinha o condão de acalmar fictícias tempestades, monstros imaginários.

Quantas vezes, gemendo com medo do bicho-papão ou do papafigo, em madrugadas sem fim, tremendo na rede, aquele sussurro de paz no ouvido: “Fique calmo, filho, eu estou aqui”! 

Ao final, a certeza de que para cada um de nós existe uma Lady Laura.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

junho 2024
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