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– Lúcia, lembra-se do que nossos pais contam sobre o atendimento médico hospitalar em nossa cidade? Era muito difícil, e esses casos eram encaminhados para Mossoró.

-Sei disso. No blog AreiabranquiCidade (evaldoab.wordpress.com) a crônica O Menino Que Virou Gente discute a questão da falta de atendimento médico especializado:

“O ano de 1988 foi um ano especial para um jovem médico formado em Fortaleza.  No meio do ano, aproveitando alguns dias de férias, o médico residente foi visitar a fazenda da família, no interior do Ceará, distante 45 quilômetros de Quixadá. Era comum que pessoas da redondeza, moradoras ou não da propriedade, se dirigissem à casa grande para solicitar ajuda, fosse financeira, de alimentação ou de saúde.

A tia do médico conversava com as pessoas, na varanda da casa. Após ouvir o relato de uma moradora das proximidades, pediu ao sobrinho recém-chegado que tentasse resolver o problema daquela senhora, que se mostrava muito ansiosa. Tratava-se de uma mulher que havia escolhido morar no alto de uma serra, distante quatro quilômetros da sede da fazenda da família do médico.

Sem arrodeios, a mulher falou que tinha ido morar naquele fim de mundo porque tinha um filho de doze anos que era muito estranho. O garoto era portador de uma doença deformante, e jamais havia saído de casa. Para afastá-lo dos olhares das pessoas da cidade, alguns meses após o nascimento da criança havia decidido morar no alto daquela serra, distante de qualquer outro morador, pela gravidade do problema do seu filho.

Na mesma hora, após autorização da mãe para que ele pudesse visitar o adolescente, dois cavalos foram selados e o médico acompanhou aquela senhora por trilhas íngremes, passagens estreitas, até chegar à casinha no alto da serra, onde moravam os dois, mãe e filho. Era uma casa simples, bem cuidada, com um imenso flamboyant servindo de sombra para um cão preguiçoso, que apenas virou a cabeça quando da passagem do médico. Ambos se olharam com desconfiança.

Após alguma hesitação do adolescente, o médico foi convidado a entrar em sua casa. Sentado em um tamborete, no canto da sala, um garoto com ar triste, arredio, tentando esconder o rosto. O diagnóstico foi fácil, e a correção cirúrgica foi avaliada como viável. Tratava-se de lábio leporino associado a fenda palatina.

Nessa época, o médico fazia o primeiro ano de residência médica no ambulatório de cirurgia plástica da Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza. Foi providenciado o traslado do garoto para Fortaleza, com grande dificuldade, tendo em vista que Quixadá dista 200 quilômetros da capital do Ceará. Lá, o rapazinho foi operado pelo chefe do serviço de cirurgia plástica, em um só tempo cirúrgico, o que não é comum. A opção foi feita pela dificuldade de acesso do paciente ao serviço de saúde.

No dia seguinte, o médico residente, com a ansiedade própria de sua minguada experiência, foi à enfermaria retirar o curativo, e gostou do que viu. Pediu um pequeno espelho e o entregou para o garoto, para que pudesse ver o resultado da cirurgia. Ao se ver no espelho, uma lágrima solitária escorreu-lhe pela face. Com ar de riso, ele comentou:

– Doutor, agora sou gente!”

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Em um shopping de Brasília, sentadas em um banco construído de tal modo anti-ergonômico que o cliente só conseguia permanecer sentado por cinco minutos, duas mães travavam um diálogo sem medo de ser ouvidas:

– Pois é, o Henrique Luiz está fazendo psicoterapia.

A amiga olha para o garoto de dois anos que caminhava para lá e para cá, seguido de perto por uma senhora que suponho ser sua avó.

Surpresa, a mulher perguntou por que o garotinho estava sob os cuidados de um psicoterapeuta há seis meses.

– É que ele está sofrendo de ansiedade. Duas vezes por semana eu o levo para as sessões de psicoterapia.

O papo continuou, e eu me afastei do local, pois já esgotara o prazo de validade da minha coluna, mantida em posição de batalha graças à prática do Pilates. Saí dali e fiquei rememorando alguns fatos da minha vida profissional. É que, por  mais de 31 anos, atuei como pediatra, trabalhando em instituições públicas de saúde, e durante esses anos atendi milhares de crianças. Agora me dou conta de que há certas condutas que raramente pus em prática, fosse para diagnóstico ou para tratamento.

Poucas vezes, em minha prática clínica, solicitei radiografia do cavum (garganta), que ainda hoje é utilizada para avaliação de hipertrofia de adenoides. Hoje, sabe-se que um câncer originado pela exposição à radiação só apareceria depois de muitos anos, e não poderia ser facilmente ligado a procedimentos feitos no passado.

Outra conduta que jamais assumi: encaminhar crianças pequenas para sessões de psicoterapia, fosse por ansiedade, birras ou inquietude. No entanto, lembro haver encaminhado muitos casais para atendimento em psicoterapia. Talvez porque os pediatras ainda conversassem com as mães, e as consultas mais lembravam um consultório de psicologia. Aqui, a real dificuldade para entender a separação dos conceitos de Pediatria e de Puericultura. As receitas de remédios eram poucas; as orientações, muitas.

Quantas vezes uma criança, trazida pela avó, tinha que retornar no dia seguinte, para que as orientações fossem passadas fielmente à mãe. Certa vez perguntei por que aquela criança ainda dormia no quarto dos pais, deixando pai e mãe espantados. Como o senhor sabe, doutor? Eu sabia. Um pouco de atenção ajudava naquela suspeita.

Em outro momento, perguntei a um bancário de alto posto por que seu filho já grandinho não havia mamado no peito, e ele foi tomado de uma surpresa, quase um choque. Como eu sabia disso? Nunca haviam feito essa pergunta.

No consultório do centro de saúde eu lavava os ouvidos das crianças que, após uma otoscopia, necessitavam do procedimento. Hoje, isso é quase impensável. Relembro, com satisfação, quantas crianças com pseudofimoses eu retirei da fila de cirurgia – no pré-operatório -, utilizando-me apenas de manuseios simples no próprio consultório.

Sem falsa modéstia, hoje eu entendo a placa de prata que me foi oferecida em uma homenagem realizada pelos pais, quando me afastei daquela unidade.

Placa

Coisas que precisam ser ditas, antes que eu vá ao encontro de Hades. A moeda já foi providenciada. Caronte estará atento.

Conto com os bons modos de Cérbero.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Dizeres da placa: Pelos anos de convívio, pela missão cumprida, receba nossa homenagem e votos de redobradas alegrias. Seus amigos do CS do Guará I.

 

 

 

 

 

 

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