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Depoimento de Jerônimo neste blog, com autorização de publicação: Em Areia Branca 1968, meu pai, Manoel Marcelino, não obteve indicação para passar de bagrinho para estivador; a situação estava crítica. Ele tinha uma carroça com pipa, que estava sem uso; compra um jumento/burro para ativar a carroça e voltar a transportar água de Upanema e fazer algum carreto que aparecesse.

Na mesma época, a Petrobrás, à procura de petróleo em Areia Branca, cava um poço que jorra água; este poço ficava no caminho que vai para Upanema. No início, facilitou o transporte de água, pois a pipa era enchida sem esforço e bem rápido. Mas a água tornou-se um produto sem valor comercial, pelo menos naquele momento. Então ele vende a carroça e compra uma rede de pesca, para pescar com seu Onofre, que tinha um barco. Além da rede, tinha uma ou duas tarrafas, para pescar diferentes tipos de peixes. Numa pescaria, perde a rede de pesca, que ficou presa por algum objeto, embaixo d’água; assim, desiste da pescaria e vende também as tarrafas.

Na sequência, ele embarca em um navio para o Rio de Janeiro, em 1969. Sai para a viagem sem deixar dinheiro para a minha mãe, pois não tinha. Primeiro mês, sem notícia. Segundo mês, sem notícia. Quarto mês, sem notícia. Minha mãe, nessa situação, não tinha crédito nas bodegas, só dívidas, e ninguém vendia mais fiado para ela.

Falaram para ela de uma vidente/cartomante muito boa e ela procurou essa pessoa, que fazia de tudo. A cartomante disse: seu marido já tem outra e ele já fez trabalho, você tem que ir atrás dele, se o quiser de volta, mas preciso de dinheiro para desfazer o trabalho. Como minha mãe não tinha dinheiro, ela levou duas das melhores galinhas da minha avó.

Soubemos, depois, que no Rio de Janeiro meu pai desembarcou, viajou para Santos e ficou morando na casa de uma sobrinha dele, em Guarujá. Passou a trabalhar no bloco até que, com a indicação de Elianto, Delegado do Sindicato dos Marinheiros de Santos, embarca na companhia de navegação do Lloyd Brasileiro. Em seguida, 1970, manda dinheiro para minha mãe que, após vender a casa, vem para Santos com os filhos.

Não ficou confirmado o que disse a cartomante, mas minha avó Antônia perdeu duas galinhas e, minha mãe Jovina Joana, o sossego até encontrar novamente meu pai.

No final, a família reunida. Daí, a fibra inquebrantável de Jerônimo, hoje cidadão de respeito. Um areiabranquense que ainda reside em Santos, junto com alguns  irmãos.

Um homem determinado. Desespero, garra, resiliência, respeito.

Os caminhos tortuosos de um destino forjado na luta.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 

 

 

 

 

Já escrevi neste espaço que, assim como as pessoas, também as palavras podem se tornar escravas de outras, mais fortes e com exagerados poderes predatórios, sugando-lhes vida ou sentido, determinando a perda de sua existência de forma isolada.

Comecemos com Ledo engano. Aqui, ledo é escravo de engano. Gonçalves Dias, em Obras Poéticas, escreveu: “…ledos os pássaros gorjeiam”. Nesta frase, ledo tem o sentido de alegre, feliz. Não dá para imaginar alguém assumindo ter cometido um engano alegre, e muito menos feliz.

Crasso é outra palavra que podemos apontar como historicamente escrava. Erro escravizou esta palavra de tal modo que poucos poetas conseguiram libertá-la desse estado. Visconde de Taunay escreveu: …”Correspondentes à sua crassa ignorância”, em O Encilhamento. Aqui, crasso mantém o sentido de grosseiro.

Ululante também é exemplo de palavra escrava. Óbvio a mantém aprisionada, para que venha ganhar vida e sentido. E qual seria, então, o sentido de ululante isoladamente? Que produz ruído semelhante ao ululo. Ululo: ruído plangente ou grito; ganir; uivar.

E a pergunta que não quer calar, mas gritar: na palavra areiabranquense, o termo branquense seria palavra escrava de Areia, e por isso as duas não poderiam estar separadas?

Areiabranquense ou areia-branquense? Devemos escrever norte-rio-grandense ou norte-riograndense? Grandenses seria palavra escrava de rio?

Com a palavra os filólogos. Conversei com um deles, que confirmou endossar de forma integral esta concepção. Portanto, à luta os areiabranquenses de agora, os portoalegrenses, os matogrossenses e os riograndenses do norte e do sul.

Branquense , palavra escrava na busca de uma alforria.

Que tal uma discussão formal na Câmara dos Vereadores de Areia Branca, com a presença de especialistas?

Quero estar presente para assistir ao nascimento dessa nova e bonita palavra: Areiabranquense. Livre de todas as amarras.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Este ano, a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes foi programada com todo o rigor para ser curtida em casa, com a famílias e os amigos. Os eventos iniciaram na quinta-feira, 6 de agosto, com show de bandas forró. No dia 7, sexta-feira, foi a vez de grupos de pagode se apresentarem. As lives seguem até hoje, dia 14, e sempre acontecem no período da noite. Amanhã, dia 15, a prudência manda que as pessoas fiquem em casa. A prefeitura montou barreiras restritivas para evitar o acesso de visitantes, turistas, peregrinos e romeiros à cidade.

Convite Convite

De todas as minhas recordações da infância em Areia Branca, a Festa de Agosto é a que mais exige de minhas reminiscências. O povo nas ruas, a pracinha repleta de estudantes e adultos envolvidos pelo clima de festa que a todos envolvia. Era época de retorno de pessoas da cidade, de amigos distantes, de movimentação e alegria.

Neste 15 de agosto – Festa de Nossa Senhora dos Navegantes – não teremos as barraquinhas de tiro ao alvo, nem aquelas com bonequinhos de alfenim em formato de vaquinhas, mulheres, homens, meninos e meninas. Também não haverá barraca com suco de frutas, com maçã do amor ou guloseimas estranhas, com cheiro de xarope de groselha.

Pelas ruas, poucas pessoas se movimentando, no atendimento às orientações dos entendidos em pandemia. Nos bares, uma clientela sedenta e exasperada pelos limites impostos pela quarentena se prepara para um conhecido ritual, repetido nas noites quentes da Salinésia. A pracinha silente e vazia sinaliza que a agitação foi cancelada. Solidão e silêncio.

O rio Ivipanim, ao que parece, terá movimentação muito reduzida. A pandemia exige recolhimento e cuidados com a vida.

Porém não podemos deixar passar o dia 15 de agosto sem a emoção que flui do vai e vem das pessoas, dos reencontros, dos abraços. Aqui, alguns momentos da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes dos anos de 2013 e 2014, para que não esqueçamos de tudo que emana de um evento em que o sagrado e o profano se misturam em uma exigente amalgamação.

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A festa. A fé. Os (re)encontros, agora em casa. A alegria de um povo.

Sejamos, todos, fômites do bem, transmitindo confiança e fé no que virá.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 

Menino da Rua da Frente, desde cedo acostumei-me com a visão do  rio Ivipanim, emoldurado pelo cais, de um lado, e pelos manguezais do outro. Alguns locais do manguezal lembravam sobrancelhas gigantes de alguém emergindo das águas do Ivipanim, olhando para a igreja matriz.

Muitas pessoas ainda mantêm o sustento da família coletando caranguejos dos manguezais, em uma lida quase insana. Na bodega do meu pai, de frente para o rio, ouvia comentários sobre os bichinhos dos manguezais. Falavam do guaxinim, que comia os caranguejos. Eu achava estranho. Guaxinim no mangue? Achava ser uma lenda urbana.

O manguezal ocorre em áreas de transição entre a terra e o mar, em locais inundados por marés, caracterizados pela mistura de água doce e salgada, com solo instável. Por ser um local lamacento, com pouco oxigênio, apenas três espécies vegetais (mangues) conseguem  ali crescer e se desenvolver: Mangue branco (Laguncularia racemosa), Mangue vermelho (Rhizophora mangle) e Mangue negro (Avicennia schaueriana e Avicennia germinans).

Mangue branco Branco

Mangue vermelhoVermelho

Mangue negroPreto

Essa sobrevivência se deve a adaptações, como raízes aéreas. Nos mangues negros e brancos as raízes emergem de baixo do sedimento em direção ao ar, o que propicia exposição ao ar mesmo nas marés cheias, possibilitando trocas gasosas. O mangue vermelho promove as trocas gasosas através de expansões no caule.

A bióloga Yara Schaeffer-Noveli explica: “Nós temos um controlador de efeito estufa. O manguezal tem uma competência de fixar carbono dez vezes superior ao das florestas tropicais. Isso é bastante novo. Isso é muito recente, essa informação”.

A retenção de sedimentos carregados pelos rios aderem ao substrato do manguezal, formando um ambiente com rica matéria orgânica. O ecossistema funciona como um filtro, onde as bactérias trabalham a matéria orgânica, sedimentando partículas contaminantes e metais pesados.

Fauna do manguezal – do ambiente marinho: moluscos (ostras, sururus; crustáceos caranguejos, siris e camarões, além de peixes); da água doce: crustáceos, como o pitu; do ambiente terrestre: aves (garças, mergulhões e gaivotas), répteis (cágados e jacarés), anfíbios (sapos, jias e rãs); mamíferos (morcegos, macacos guaxinins e capivaras), além de insetos como mosquitos e abelhas. Há a fauna microscópica, com importância na cadeia alimentar dos  vermes, moluscos, larvas de camarões, de caranguejos, de peixes.

Quando é lançada uma quantidade excessiva de substâncias orgânicas na água (por deposição de esgotos) acontece o fenômeno da eutrofização – processo pelo qual um ecossistema aquático adquire alta taxa de nutrientes (principalmente fosfato e nitrato)., aumentando os microrganismos decompositores, o que leva a um consumo maior de oxigênio e à morte de seres aeróbicos. Aqui, a crucial importância dos manguezais.

Manguezais de Areia Branca. Ecossistema a ser preservado.

O futuro do futuro.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 

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