Uma olhada nos dados do Observatório da Violência Letal Internacional e constatamos que os assassinatos em Areia Branca aumentaram 133% entre 2015 e 2017. Números assim retratam uma desenfreada violência nas cidades do Rio Grande do Norte, tendo Mossoró como líder nesse ranking. São assassinatos de homens, mulheres e crianças, digo, adolescentes, que colocam a Salinésia entre as vinte mais violentas do estado.
Somos de uma geração (1950/60) que conheceu a paz. Os homicídios ocorriam muito raramente. Havia brigas, desordens, confusões, mas os assassinatos eram esporádicos.
Durante minha infância e adolescência em Areia Branca, lembro de pouquíssimas mortes por atos de violência. Recordo de um assassinato no mercado público, que ficou conhecido como crime dos irmãos Paulino, da morte de uma moça por um tiro disparado pelo namorado, que brincava com uma arma, ocorrido em uma lojinha que ficava entre o mercado e o grupo escolar. Lembro do caso de um forasteiro que tentou enganar algumas pessoas e recebeu uma facada na barriga, na Rua da Frente.
Os roubos e os furtos também eram eventuais, sempre sem violência. Morei todo esse tempo na Rua da Frente, onde pululava uma fauna humana diversificada, e não lembro de crimes violentos.
Por trás disso, um homem da lei. Quando criança, muito ouvi falar do Tenente Durval e sua equipe. Muitas vezes, ele prendia uma pessoa na rua e a mandava esperá-lo na delegacia. Jamais soubemos de alguém que não tivesse esperado o delegado chegar. E tem mais: os presos, toda semana, varriam a rua da delegacia. E sem escolta.
Sei que a violência nas pequenas cidades é antiga, e aqui vou contar um fato ocorrido na Serra do Teixeira, na Paraíba, no ano de 1876. Quatro elementos fora-da-lei tinham o condão de deixar a população em desespero, e muito apreensiva.
Liberato Dantas, o delegado, não se convencera de que deveria assumir tamanha responsabilidade, com poucos suportes além da coragem e da bravura sua e de seus comandados; mesmo assim disse o esperado “sim” e partiu para o que desse e viesse. A ordem e a justiça seriam mantidas a qualquer custo. Fosse quem fosse, teria de cumprir as leis e a ordem. Esta era a determinação do homem da lei.
Os fora-da-lei imaginavam que quanto mais depressa se testa uma nova autoridade, mais rápido ela é desmoralizada, e o campo fica aberto para o império da desordem, sempre a serviço dos mais fortes.
Fama é pouco, braveza tem de ser testada. Certo dia, um dos elementos entrou na cidade fortemente armado, o que já era uma provocação. Carecia ganhar a primeira batalha com o delegado da vila. Observou e escolheu o dia; o lugar era feira. Que delegado, naquela época, teria coragem de colocar o povo entre dois fogos? O fora-da-lei queria ganhar, economizar munição e desacatar o delegado Liberato diante dos habitantes da vila e das redondezas.
O delegado ponderou riscos e forças. Não apareceu na feira, e a provocação do meliante não foi confrontada. Caiu no vazio. Sua cruzada não frutificou. O fora-da-lei deu um grito de guerra e saiu levantando poeira no rastro dos cavalos. E houve louvores a todos os santos, pelos que se viram livres de tão sinistra companhia.
Onde estava a bravura do Delegado Liberato? O júbilo da liberação do perigo logo deu lugar à maledicência e à galhofa. “Cadê a brabeza do homem, que nem aparecer apareceu?” – tripudiavam.
Não demorou muito e um jegue esbaforido trazia um caboclo e uma notícia: aquele meliante mal acabara de gargalhar sua estrondosa vitória e um tiro partiu de trás de umas pedras enormes que ladeavam a estrada. No lombo de um jumento, o corpo do meliante selava o compromisso do delegado. Apanhado de surpresa, o forasteiro ainda tentou reação, sob a saraivada de tiros do delegado e seus homens.
Foi um reboliço na feira. O delegado aumentou sua fama. O bicho era homem! Enfrentou e matou o temido fora-da-lei. Nomes dos quatro fora-da-lei: Manoel Rodrigues, Cirino, João e Juvino Guabiraba, vindos de Pajeús de Flores.
Em Serra do Teixeira ou em Areia Branca, a ordem pela determinação e pela força de um delegado.
Nos tempos do Tenente Durval a brilhantina era Glostora!
–
EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
4 comentários
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novembro 22, 2020 às 12:07 pm
Francisco das Chagas de Brito (Chico Brito)
Tenente Durval tambem era o terror das raparigas. Na época o comércio, principalmente os de tecidos, tinham maior movimento nas segundas-feiras. O motivo: As pessoas que recebia por semana, o dinheiro só era pago na hora da saída do trabalho que era no sábado as 13 horas. Nessa hora o comercio já estava fechado. Então as esposas que não trabalhavam, pegavam o dinheiro e iam nas segundas feiras comprar tecidos. As senhoras conservadoras achavam ruim por encontrar as raparigas nas lojas e foram reclamar com o Delegado Durval. Então, este baixou um Decreto que as raparigas só poderiam sair na rua, as quartas-feiras. Com este Decreto, as conservadoras não saiam a rua para não se encontrar com as mulheres da vida. O castigo para quem não obedecesse. O Delegado comprou um quilo de arroz e outro de alpiste. Misturou os dois. Quando uma rapariga era pega fora do dia estipulado, que era a quarta-feira, era presa e só saia depois de separar o arroz do alpiste. Para os cachaceiros briguentos. Ele comprou um caminhão de pedra calcária e mandou colocar no canto do muro. Quando prendia os valentões, ele os mandava carregar as pedras para o outro lado do muro carregando na mão. Os mais violentos, quando terminava, ele mandala levar de volta. Assim era o nosso Delegado e todos eram felizes.
Deus nos abençoe e proteja.
julho 10, 2021 às 4:50 pm
Juarez Belém
São conhecidos detalhes da tragédia que foi a morte da namorada? Caso sim, por favor explane-os.
Juarez Belém
juarezrbj@gmail.com
Mossoró – RN
10 – JUL – 2021
julho 10, 2021 às 6:20 pm
Evaldo Oliveira
Juarez, eu era muito pequeno, mas o que contavam na cidade era o seguinte: O casal de namorados se gostava muito, e certa vez, ali pros lados do Grupo Escolar, em uma loja, o rapaz sacou uma arma e apontou para o peito da moça. Contavam que, antes, ele esvaziara o revólver, e tinha certeza de que ali não havia bala. E ele ficou brincando, apontando a arma para a moça. Puxou o gatilho pela primeira vez e disparou. Claro, não houve disparo. Disparou a segunda, a terceira, a quarta, a quinta. Quando acionou o gatilho pela sexta vez, ambos já relaxados, por saberem que ali não havia uma bala, veio o disparo e a tragédia. Era assim que contavam naquela época.
julho 11, 2021 às 7:53 pm
Juarez Belem
Muito obrigado por responder, Dr. Evaldo. De minha ida mãe ouvi que havia uma paixão platônica, não namoro, e a vitimada seria funcionária da loja, que era de propriedade do pai do algoz, mas uma única vez sobre isso e assim mesmo há muito tempo. Tomei aulas de Português com um seu parente [talvez irmão] em preparação para um concurso que enfrentei.
Saudações,
Juarez Belém
juarezrbj@gmail.com
Mossoró – RN
11 – JUL – 2021