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Lendo o livro O Fantasma de Licônia, do escritor e jornalista cearense Clauder Arcanjo, descobri-me em Areia Branca. A história de um fantasma meio desavisado assustando a agitada cidade de Licânia, deixava a população em polvorosa, incomodando o padre, o sacristão, os boêmios e a alta cúpula da política local. Com a cidade de cabeça para baixo, a arrecadação de impostos estava em queda livre, atingindo até os negócios da farmácia e chegando aos meandros da economia dita informal.

O prefeito de Licânia, para não decretar estado de calamidade pública, contratou os serviços de Acácio, o Sherlock Holmes nordestino. Em seu currículo, Acácio Holmes enumerava a resolução de trinta casos de traições matrimoniais; sete casos de falsa paternidade e setenta e sete assassinatos desvendados.

Analisando os assassinatos desvendados, bisbilhotei um em especial: “O último crime do Beco da Galinha Morta”, na Salinésia; enquanto todos já davam o caso como insolúvel, ele foi chamado: cheirou, catou, mexeu, ouviu, mediu e… desvendou. Tudo obra do mordomo”. Ao final, gritos de “Elementar! Elementar!” propagados aos quatro ventos.

E fiquei a imaginar as aventuras do Sherlock Holmes em Areia Branca, vasculhando o Beco da Galinha Morta durante o dia, acompanhado por uma horda de meninos sem muito a fazer, e caminhando a passos lentos, em um escaneio visual, à noite, sobre as pedras toscas que fingiam calçar aquele beco. 

Talvez ele não soubesse que naquele beco, por estar nas proximidades do cemitério da cidade, aconteciam estórias confusas de almas penadas e sem penas que perseguiam bêbados notívagos e assustavam maridos com encontros marcados sempre depois das dez da noite, quando a usina elétrica desligava seu motor.

Imagino que o Acácio Holmes não sabia que o Zorro tinha o hábito de sair em grande estilo do Beco da Galinha Morta, ao lado da igreja, estalar seu chicote, dar o grito Aiô, Sílver!, rodopiar, saracotear e retornar à escuridão da viela. Imagino o susto do Holmes ao dar de cara com o Zorro…

Areia Branca teria a oportunidade de passar para a história como palco do memorável embate entre o Sherlock Holmes nordestino e o Zorro de Areia Branca. Duas hipóteses advêm dessa possibilidade: 1. O Sherlock Holmes nordestino desapareceria da cidade ou do mundo; 2. Ele sobreviveria, e em suas diligências em Licânia, em vez de Dandora Watson ele estaria acompanhado do Zorro. Uma dupla perfeita!

Sherlock Holmes nordestino. O Zorro do Beco da Galinha Morta. Para o bem de todos, os dois nunca se encontraram.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Deífilo Gurgel, autor de Areia Branca, a terra e a gente, é um consagrado historiador areia-braquense, respeitado na historiografia potiguar. Gibran talvez seja o maior conhecedor atual da nossa história, e por tudo que li, em Deífilo, e por inúmeras conversas que tive com Gibran, arrisco-me a dizer que Gibran tem uma caixa de ferramentas históricas maior do que a de Deífilo. Ambos são meus parentes. Portanto, não digo isso por parentesco, é um sentimento de leitor.

Como sempre, Gibran tem um bom papo e segurança no que diz.

Deleitem-se!

Três pessoas em um carro. Destino: Areia Branca. Por quais caminhos? Aqueles que levam e trazem. Com pressa ou sem pressa? Sem pressa. Sobrará viagem no final do tempo, com certeza. Dispomos de três dias, mas pode haver prorrogação. 

Não precisamos seguir sempre em frente. Podemos ir para um lado ou para o outro, retornar e seguir novamente. Nos perdermos para que possamos nos achar. A viagem não foi feita na sequência das fotos. Apenas lembranças fotográficas, não marcas no mapa. Ao final, livres para curtir Areia Branca com a marca do descompromisso.

Em Caicó, jantar com Pe. Técio (de branco), educador de respeito.

Neste local, em Serra Negra do Norte, junto à entrada do cemitério, homenagens e despedidas ao ente querido que se vai.

Antes, um giro pela cidade, onde vislumbramos esse belo coreto.

Aqui, a visão quase surreal da entrada de Carnaúba dos Dantas. Uma festa antes de chegarmos ao Castelo Di Bivar, logo à frente.

Uma lembrança de Jardim de Piranhas, com sua igreja em frente à praça.

No Passárgada, com o papo elegante de Toinho Tavernard. 

Aqui, visita a uma família amiga no final da Rua da Frente, pros lados da antiga usina de luz, com direito a um papo gostoso, com enfoque cultural, e um cafezinho.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

O culto a Nossa Senhora dos Navegantes, em Areia Branca, teve início em maio de 1911, quando o maquinista Manuel Félix do Vale e sua tripulação se viram diante da morte, face a uma avaria em alto mar.  

O rebocador Sucesso fez uma viagem a Recife, sendo rebocado pelo vapor Açu, com o objetivo de ser consertado em um estaleiro local. Na altura do Cabo Santo Agostinho, a longa corda que o prendia ao vapor enrolou na hélice, em virtude do mar agitado.

O cabo tinha que ser retirado o mais rapidamente possível da hélice, pelo risco de afundamento do rebocador. O maquinista Manoel Félix do Vale se lançou na água com uma faca na mão, pondo sua vida em risco. Em uma manobra corajosa, ele conseguiu cortar o cabo enrolado na hélice, evitando assim um iminente naufrágio do rebocador.

O maquinista fez uma promessa a Nossa Senhora dos Navegantes: trazer para Areia Branca a imagem da santa, entroná-la no altar da igreja e cuidar da organização de uma procissão marítima em homenagem à protetora dos marítimos.

Apesar dos esforços, somente em 2011 a paróquia de Areia Branca resgatou a imagem original de Nossa Senhora dos Navegantes, que se encontrava em Ponta do Mel.

A informação mais antiga que temos da festa em louvor a Nossa Senhora dos Navegantes, que efetivamente passou a ser comemorada no dia 15 de agosto, data do início da década de 1930.

Como nos conta o Comandante Miranda, a partir daquela década, no dia 15 de agosto, o andor saía da igreja matriz na hora marcada. Lá fora, um grande número de pessoas esperava para o embarque. De um lado, as Filhas de Maria, as Zeladoras, as Damas de Caridade; do outro lado, os Vicentinos, os Marianos e a Cruzada Eucarística.

Essa procissão se dirigia ao Tirol; no caminho, os fiéis cantavam o Hino dos Navegantes, enquanto caminhavam a passos lentos. A animação ficava por conta da bandinha da cidade, comandada por Mirabeau, com seu trombone, Pedro Abílio no saxofone, Adolfo de Pedro Abílio no bombo, José Silvino (meu pai) na tuba, e algumas vezes Chico Ourives no clarinete. Em alguns anos, outros músicos faziam parte dessa comitiva. Tinha ainda Augusto Preto com sua cuíca, Zé Lagatixa com seu famoso pandeiro e, por fim, Raimundo Enfermeiro na rabeca. 

Nas calçadas e na beira do cais, uma multidão aplaudia a procissão, que tinha a bandinha como ponto de destaque. As mães seguravam seus filhos, que gritavam e acenavam para os participantes daquele cortejo religioso.

Os fiéis seguiam atrás, engrossando os cânticos. Chegando ao Tirol, como de costume, a lancha São Salvador já se encontrava no local, para transportar a imagem da santa. Barcaças da Companhia Comércio e Navegação, Wilson, Mossoró Comercial e Salmac juntavam-se ao São Salvador, cada uma tendo à frente o seu rebocador. Feito o embarque, tudo pronto para a procissão marítima. Durante todo o percurso, os fiéis cantavam em uníssono, apesar da distância entre as embarcações: Ó virgem dos navegantes/Na procela e na bonança/Salvai os pobres marinheiros/Sê sempre a nossa esperança.

Festa de Nossa Senhora dos Navegantes. História, fé e tradição que se misturam há mais de um século.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN.

No ano de 1961, foi anunciada uma luta de vale-tudo envolvendo um lutador de Natal, que não lembro o nome, e um lutador de Areia Branca. Estou em dúvida se essa luta, de fato, aconteceu em Areia Branca ou em Macau, onde morava Francisco, meu irmão caçula. Mas vale a pena ser contada, pelo inusitado do desfecho.

Foram colocados avisos dessa luta nas paredes das lojas, no muro da prefeitura e nos arredores da pracinha. A cidade se preparou para o grande evento. Também não lembro o nome do lutador de Natal. Sei que havia dois lutadores famosos, Aderbal e Bernardão. 

No dia do evento, muitas pessoas se dirigiram para o local do embate. O tatame, que fora improvisado com algumas cordas cercando o quadrilátero, era forrado com uma camada de serragem de madeira colocada sobre o cimento e coberta com uma lona, em uma alarmante e perigosa improvisação, patente em cada detalhe, assim como o desconhecimento das regras de segurança. 

As pessoas, de pé e espalhadas em torno do tatame improvisado, aguardavam com grande ansiedade o início da luta. Aguardaram cinco minutos depois da hora marcada (19hs), e o lutador local não aparecia. Ao lado do tatame, o lutador de Natal se exibia junto do seu empresário, com movimentos provocativos. E o lutador local não dava as caras por ali.

Decorrido um bom tempo do horário marcado para o início da luta, e o lutador local não aparecendo, as pessoas presentes começaram a se irritar, e a gritaria tomava conta do ambiente. É marmelada!!! É enrolação!!! Quero meu dinheiro de volta!!! E o clima de hostilidade foi se elevando.

A certa altura, tendo passado meia hora do horário, um homem sacou de uma faca e, aos gritos, obrigou o lutador a entrar no tatame e lutar com seu empresário. Apesar das desculpas do empresário, os dois foram forçados a lutar. Bofete pra lá, chute pra cá, queda de um lado. O lutador, depois de algum tempo, perguntou se a plateia estava satisfeita, e a resposta foi não. Depois de muitas bofetadas e do empresário machucado, a luta foi encerrada. 

Em dúvida, liguei para meu irmão Francisco, que morou em Macau naquela época, e ele me confirmou que essa luta aconteceu no ano de 1961, na quadra de esportes do Colégio do Padre Penha, naquela cidade.

Luta de Vale-Tudo, mas tudo mesmo. 

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

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