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De repente, em um momento pode crer, ouvi alguém dizerarrodeie, menino!. Foi um sinal, que destravou as amarras, liberando-me para um retorno à terra onde nasci. Energias mobilizadas a serviço da retrofilia. No entanto, segurei firme. 

Em casa, recordei aquela expressão (arrodeie) e relembrei  lugares, momentos, falas, todos com um CEP ancorado a uma senha do passado: Areia Branca. E me dei conta de que outros elementos, ligados aos nossos sentidos, encontram-se adormecidos em nós, em uma hibernação espaço-temporal com pequenos soluços no sentido de  ressuscitação. Aqui, eflúvios remanescentes de nossa meninice pedem passagem, em uma Sapucaí privativa, sem rainhas, porta-bandeiras nem comissões de frente. 

Só então me dei conta de uma realidade. Há quanto tempo não ouço o Santo Anjo do Senhor cantado em grupo, como prenúncio de sonhos de menino, sob o tom da bondade e o comando de uma mãe amorosa, as redes em desalinho.

Há quanto tempo não ouço o barulho gostoso do revoar dos maçaricos travessos, sem notícias de seus primos urbanos (os quero-queros), que se exibem nos estádios de futebol, com pose e tempo para os flashes. O quero-quero não quer ser tetéu.

Não escuto o palavreado das pessoas do povo, quando, com seus lustrosos baldes de alumínio, caminhavam pelo velho mercado público, ouvindo gritos de marchantes e peixeiros, cada qual com seus odores e suores. Lá fora, um cuscuz feito no pires, na boca da chaleira, ao custo de quinhentos réis, ladeado por tapiocas branquinhas e pamonhas invejosas, exibindo sua capa que sabemos roubada da espiga.

Não vejo meninos de chambre branquinho, tentando esconder seu penico de igual cor, segurança para os xixis que certamente viriam ao longo de uma madrugada quente que se anunciava, com seus barulhos de fantasma. É que o banheiro ficava fora da casa, e o medo impediria o controle do tempo-bexiga.

Há quanto tempo não pego na mão uma taioba,  com sua cor branco-amarelada especial, nacarada, tipo madrepérola, e não sinto o prazer quase sideral de degustar esse belo marisco com um arroz branquinho, vendo a fumaça subir nos cantinhos do prato.

Não sinto mais o cheiro gostoso espalhado pelo oró que servia de forro nos porões dos barcos e recobria as frutas trazidas pelos beijus,  para em seguida alimentar cabras e cabritos da meninada. Neste mês de maio/2023, dei de cara com algumas touceiras de oró em Tibau, bem como em São Miguel do Gostoso. Emoções simples.

Sinto que a emoção de passar correndo descalço pela Rua do Meio, no sentido do Cine Coronel Fausto, ou no contrafluxo dessa empreitada, em busca de não sei o quê, sabendo-o, não mais acontecerá.

Há muito não sinto o cheiro das primeiras chuvas, em um ano-meninice qualquer que, os primeiros pingos brincando de escorregar pelas telhas ressecadas, com jeito de velhas e sabor de salitre, escorriam por bicas disputadas pela molecada, com seu alarido no justo tom da esperança. Lá longe, pros lados de Tibau, alguns relâmpagos prepotentes berravam desaforos que ribombavam no oitão da igreja.   

Há quanto tempo não sinto na pele o vento solto que vagueia pela prainha de Zé Filgueira, quando de passagem para a praia do meio. Ao chegar, um banho na mais pura e cristalina água que o mar pode produzir, com os siris exibindo suas patinhas com jeito de cortador de palito. 

Nunca mais assistirei à apresentação de um pastoril de verdade, como os em que dançaram Marinete e Dodora. Em alguns momentos, para matar a saudade, vemos algumas quadrilhas de são-joão muito modernas, mais para a Marquês de Sapucaí que para o mês de junho. Aqui, a lembrança de Chico de Boquinha que, com seu entusiasmo e sua alegria, participou da organização do pastoril que foi apresentado para arrecadar dinheiro para construção da Maternidade. 

E você, há quanto tempo não embarca em uma canoa, na Rampa, sob a égide de um vento irresponsável, ladeado pelo descompromisso,  e toma o rumo de Barra, com o olhar voltado para Pernambuquinho, e o Pontal no cantinho direito do olhar?

Se der preguiça de falar, sente-se, olhe para o canoeiro e aponte com o dedo. É lá do outro lado!

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN.

Quem foi criança em Areia Branca nas décadas de 1950 e 1960 tem pouca coisa de que reclamar. Havia momentos para todo tipo de brincadeira, como soltar pipa no período das férias escolares, jogos de castanha, peladas de futebol na rua, cantigas de roda à noite.

Muitos desses momentos ficaram na nossa memória, e retornam vez por outra, em nossas rememorações, muitas vezes atraídos pelos eflúvios de um vinho branco. Aqui vou revelar os que atenderam ao meu chamado, nesta noite de sexta-feira. Sei que alguns já foram colocados no blog. Agora, são novas nuances sobre o mesmo fato.

Não consigo esquecer um ponto sequer deste evento que envolveu Chico Novo, à época sobrinho do prefeito, Manoel Avelino. Por ser filho único, a mãe de Chico não queria que ele participasse das brincadeiras mais pesadas da meninada, como nadar no rio Ivipanim e subir correndo as imensas pirâmides de sal e descer do outro lado. Hoje reconheço: era uma brincadeira perigosa. Do outro lado poderia haver uma cratera, na descida da pirâmide. Por conta disso, Chico sempre estava acompanhado de um garoto maior, mais forte. Chico dizia que ele abria o portão da sua casa com a cabeça.

Já contei esta estória aqui. Certo dia, sem o seu protetor ao lado, encontrei Chico Novo junto à pracinha e ele me convidou para fazermos um quebra-canela. Topei na hora. Cavamos os buracos um na frente do outro, na distância de uma passada, colocamos alguns palitos de coqueiro e cobrimos com papel. Procuramos algo para forrar o buraco e no meu foi colocado cocô de cachorro; no de Chico Novo foi colocado cocô de gente. O incauto cairia no primeiro buraco e, ao tentar se recuperar, cairia também no segundo. Perfeito. 

Escondemo-nos atrás de uns materiais de construção e ficamos à espera. Passados uns dez minutos, apareceu um rapaz com um prato de sururu. Olha o sururu fresquinho! -, gritava ele. O pobre rapaz enfiou o pé no quebra-canela e atirou para longe o prato de sururu. Ele ouviu nossas risadas e nos obrigou a lavar o sururu, um a um, ameaçando nos obrigar a pagar pelo prejuízo, caso não conseguisse vender o seu produto.

Este caso aconteceu na Rua da Frente. Saiu em uma revista um comentário sobre a funda com que Davi pusera por terra o valente Golias. E mostrava como fazer aquela arma primitiva. Conseguimos o material e fizemos a funda. Só faltava experimentar, e escolhemos a beira do cais, em frente à padaria de seu Lalá. Pusemos a pedra no local indicado, alguém rodou a funda com velocidade e disparou. Logo à frente, Fernando, que prestava pequenos serviços aos trabalhadores do cais, caiu de modo esquisito, pôs a mão na nuca, agora com a marca da pedrada, e correu pra cima da meninada, que se dispersou. Poderia ter acontecido algo pior. A força foi pequena. Funda, nunca mais!

Um grupo de umas quatro crianças da Rua da Frente tinha o costume vender garrafas na mercearia de Sebastião Amorim. Um empregado dessa mercearia, sabendo muito bem com quem tratava, tinha o hábito de cheirar a boca de todas as garrafas, para afastar aquelas que tinham sido utilizadas para guardar querosene. Certo dia, eles juntaram algumas garrafas e esperaram até que alguém estivesse preparado e soltasse um pum na garrafa, sendo tapada com a mão logo em seguida. Ao chegarem com cara de querubins, o rapaz foi logo cheirando a boca de cada garrafa. Um de nós falou: Não tem querosene em nenhuma. Ele respondeu: De fato, não tem querosene, mas nesta tem bosta, e eu não quero nenhuma delas! A turma voltou sem o dinheiro das cocadas, mas fazendo algazarra. Vingança! Vingança!

Infância. Jogos. Traquinagens. Vida. 

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Brincadeiras de rua, como as peladas com bola de bexiga de boi ou de meia-calça de mulher recheada de restos de tecidos. Não havia risco de ser atropelado, porque os dois ou três carros da cidade pouco saíam de suas casas. À noite, cantigas de roda e brincadeiras diversas, onde começava a desabrochar o interesse pelo sexo oposto. 

Exame de admissão ao ginásio, nosso primitivo vestibular, deixando a garotada tensa e a cidade em alerta. Quantos não ultrapassaram essa barreira? E o que terá acontecido àqueles que ficaram pelo caminho? Aqui, muitas histórias de superação e de abandono dos estudos, com o quase certo fracasso na escassa vida profissional. 

Banhos na maré cheia, ao redor dos barcos dos beijus, repletos de frutas, verduras, mel, cachaça. Alguns jogavam mangas para a meninada que nadava em volta, como um prêmio pela resiliência.

A Pracinha do Pôr do Sol que, com um certo conforto, recebia passageiros de todas as paragens, transportados em barcos e lanchas, esbanjando elegância com seus ternos e chapéus, de um lado, e seus vestidos com cheiro de guardado, do lado das mulheres. A vida girava em torno do Tirol. 

As canoas em seu ir e vir para o outro lado do rio Ivipanim, com suas velas triangulares tangidas pela força que o vento traz, braços fortes a conduzi-las com a maestria e os segredos dos navegadores. 

Um coreto no meio da pracinha atrás da igreja, onde em momentos festivos ouviam-se os acordes de instrumentos afinados, levando música para uma cidade adolescente e cheia de sonhos de grandeza.

A Missa de Bagaé, para onde as famílias se dirigiam ao raiar do dia, esperança no peito e fé no porvir; formação religiosa para as crianças. Não sei quantas vezes fui à missa em Pedrinhas, as pessoas carregando suas velas protegidas do vento. Uma festa que se fazia no ir e no voltar. Puro congraçamento!

O Zorro magricela de Areia Branca, que em noites de sexta-feira de qualquer dia do ano aparecia na saída do Beco da Galinha Morta, saracoteava, estalava seu chicote no ar e ao beco retornava, deixando o pessoal da pracinha em polvorosa, e esse reboliço agitava a cidade por vários dias.

Furto de galinhas nos dias da Semana Santa, a cidade tensa, os rumores de risco de disparos de espingardas. No final, galinha na panela e farra garantida. 

A cruviana, entendida como um vento noturno que traz consigo uma aura de mistério, uma estranha sensação de um frio que corre fino pelo corpo, como uma pizza metafísica meio mágica meio mística. Na infância, nas noites de cruviana, até parecia ouvirmos um som agudo, fininho, tipo assobio, que vinha do rio em frente, com suas embarcações ancoradas, fazendo com que nos encurvássemos ainda mais em nossas redes, assumindo uma posição quase fetal.

A serração da velha. Um grupo serrava uma tábua, aos gritos estridentes e prantos intermináveis, fingindo serrar uma velha, lamentando-se através de um berreiro ensurdecedor. A serração normalmente acontecia nas noites escuras quando, por algum motivo, as estrelas haviam sido chamadas ao aconchego de Zeus, que se encontrava depressivo. Aqui, nem a Estrela Dalva aparecia. No manguezal, pequenos caranguejos se movimentavam inquietos, depois das dez e meia a usina de luz desligava seu motor, decretando o domínio da escuridão.

Ao longe, no fim da rua, gemidos agourentos surgiam em um crescente, e o som grosseiro de um serrote começava a ser ouvido, acompanhado um alarido de velório. Então, versos vasavam pela noite: Serra o pau e toca o sino. Serra a cacunda do véio Virgino.

Alguém apareceria à janela, proferia algumas palavras desrespeitosas e jogava o conteúdo de um penico sobre o grupo, que respondia com gritaria, xingamentos, confusão, excomungos e correria.

Enfim, a plenitude da vida!

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

As cores são muitas, com nuances que a sutileza escancara e nos expõe. Em minha meninice, em Areia Branca, tínhamos que lutar para que as cores não fossem muito escuras nem claras demais; nem tristes. Não sei quais são as cores da tristeza, porém é notório que as cores da fome têm um tom de cinza, que jamais conheci, apesar das dificuldades de uma família pobre para criar nove filhos.

Qual a cor que eu escolheria quando nadava no rio Ivipanim, que somente no depois do depois saberíamos serem limpas, apesar da sujeira extrema do rio Mossoró, em que ligações clandestinas de esgotos, somadas às dificuldades de manejo das lagoas de tratamento, deixam suas águas impossibilitadas de serem usadas pelos animais e até para irrigação de cultivos?

Qual a cor do dia 25 de dezembro, quando pela manhã a meninada da Rua do Meio exibia seus presentes sofisticados, e os meninos da Rua da Frente eram convidados para “brincar um pouco”?

Qual a cor do dia do nosso aniversário, somente lembrado por nossa mãe, que nos apertava com seu abraço celestial?

Qual a cor daquele momento em que uma criança de olhos sem brilho pede que uma outra a deixe segurar o cabo de uma estrelinha, no final da queima, em uma noite de são joão?

Qual a cor dos nossos primeiros amores, quase sempre sob o domínio do impossível, mesmo quando praticamente tudo era impossível?

Qual a cor do dia da minha saída de Areia Branca, sem um amigo sequer para me despedir? E aquela menininha que trazia alegria ao meu coração, que não apareceu? Qual a cor de um coração em desalinho?

Qual a cor dos meus primeiros vinte dias em Natal, quando dezessete dias depois da chegada meu pai morreria?

Qual a cor dos luares da minha meninice, que se sucediam sem serem percebidos, ou somente vistos pelas frestas de portas e janelas, ou de um telhado mal posto?

Qual a cor daquele dia em que o menino viu desaparecer aquela menininha de olhos verdes da Rua do Progresso, ele fingindo dirigir-se ao grupo escolar? Ouviu sua voz apenas uma vez, e hoje percebe que seu timbre se perdeu em meio a luares e festas de Nossa Senhora dos Navegantes.

Qual a cor daquele céu de andorinhas e zigue-zigues, quando procurávamos respostas para questões irresolúveis?

Qual a cor da nossa luta para fugirmos de um quase determinismo desastroso a nos esperar depois do Curso de Técnico em Contabilidade da Escola Técnica de Comércio, que funcionava no Grupo Escolar Conselheiro Brito Guerra? Dali surgiriam grandes nomes que dignificam a cidade até hoje. Mas foi preciso muita luta para crescer.

Qual a cor do esforço de crianças que trabalhavam e estudavam, desmistificando o que hoje chamamos “menor trabalhador”? Chico Brito e eu sabemos o bem que isso trouxe a nossas vidas.

Você quer uma cor? Então, seja essa cor.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Sob os eflúvios de um vinho branco Pinot Grígio, fiquei imaginando como poderiam os empreendedores de Areia Branca produzir elementos alegóricos de nossa cultura, com produtos bem elaborados, feitos com esmero e um toque de arte.

Vou mostrar, aqui, alguns desses trabalhos, feitos em algumas capitais do mundo. São elementos do dia a dia, incorporados ao acervo do povo. 

Bruxinhas dos caminhos de Santiago de Compostela, Espanha. Para Areia Branca,  as estórias dos lobisomens que às sextas-feiras sumiam pelos becos com suas amantes.

Farol de Mãe Luíza, em Natal, feito de barro. Temos o nosso pequenino e belo Farol de Upanema exibindo-se aos empreendedores locais.

Figuras pintadas no Muro de Berlim, que se tornaram ícones da cidade e campeãs dos souvenires (ímãs de geladeiras). Para nós, há belos poemas anônimos espalhados por muros da cidade. É só fotografar e trabalhar uma boa forma de apresentação. 

Casinhas do interior; a última é de Óbidos, Portugal. Temos o sobrado de Zé Filgueira (casa de taipa de dois pavimentos). O castelinho dos Dantas e a Coletoria Estadual são outros exemplos, assim como os nossos cataventos das salinas.

Igreja e casa-presídio do interior de Minas. Em Areia Branca, nossa bela igreja matriz, com a sua aura, e em forma de cruz, oferece-se aos artistas e empreendedores.

Jumentinho de Sitges, cidade próxima a Barcelona, onde Romário batia bola na praia. Os nossos jumentos transportadores de água de Upanema caberiam aqui, com garbo.

Barquinho do Lago Maggiore, na Itália, medindo 11cm de extensão. Temos experiência na fabricação de pequenos barcos. Falta caprichar e dar esse toque que embeleza. 

A ajuda do poder público, com incentivo à produção e à divulgação, com aquisição de lotes para presentes institucionais, além de uma parceria com o Sebrae.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

– Poesias nos muros de Areia Branca:

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