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Tudo passou há muito tempo. Mas parece que foi ontem. Zé Lagatixa, nasceu em 1907. Eu nasci em 1956. Assim, quando nasci Zé Lagatixa já tinha 50 anos, nessa idade Ele já estava quase cego, e aposentado pelo IAPETEC( Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas). Ele trabalhava em Porto Franco, no Gesso, sem nenhuma proteção para os olhos.

Antes de Porto Franco ele foi marinheiro, mas não tenho notícia de que tenha viajado para fora do país. Ele falava da praça Mauá, no Rio de Janeiro; dá a entender, portanto, que a viagem mais longa foi até o Rio.

Zé Lagatixa era farrista por natureza, gostava dos bailes, das valsas e dos carnavais. Por outro lado, a minha avó Antônia não gostava nada disso; até era contra.

O pai da minha avó Antônia, Olinto Ferreira de Brito, veio de Luís Gomes/RN, com toda a família, e quando chegaram em Areia Branca, a minha avó Antônia tinha 10 anos de idade. Ela nasceu em Luís Gomes, em 1910. Conta-se que Olinto não retornou mais a Luís Gomes; dos filhos dele, só o tio Cirilo que retornou. (verifiquei que de Luís Gomes a Areia Branca são 242km, o trajeto é feito pela BR 405, em 3 horas e 31 minutos). Imagine naquela época um comboio de jumentos carregando os pertences, e a família acompanhando, e chegaram em Areia Branca fugindo da seca em 1920. Em Areia Branca, Olinto encontrou trabalho em Porto Franco e todos os filhos homens foram estivadores, menos o tio Cirilo que teve uma vida mais sacrificada. Merandolina Maria da Conceição, às vezes, reclamava da vida, mas Olinto replicava, “você não deixou Eu procurar meu tesouro” . Ele dizia que o tesouro dele estava em Minas Gerais.

A situação estava boa, Olinto comprou uma máquina de costura e dizem que um dos primeiros rádios de Areia Branca foi dele. A máquina de costura ele prometeu dar de presente à minha avó Antônia quando ela se casasse. Mas Olinto não esperava que a minha avó Antônia fosse namorar Zé Lagatixa. Daí a menina que nunca desobedeceu a ele, casou-se com José Luiz da Silva, passando a assinar de Antônia Ferreira de Brito para Antônia Ferreira da Silva.

E Zé Lagatixa, nos primeiros anos de casamento, não bebia; ia para os bailes, para as valsas, tocava pandeiro, tocava gaita. Mas depois passou a beber, uma vez, outra e outra, e as brigas e as agressões.
Foi nessa situação que a minha mãe, com 7 anos, foi adotada por eles, na realidade não foi uma adoção, pois ela foi dada para ser criada, uma filha de criação.

Com a morte do meu avô Irineu Pereira Maia, a minha avó Joana Ferreira da Silva dá sua filha mais nova (Jovina Joana) à minha avó Antônia. Até hoje não sei dizer se existe algum grau de parentesco entre as minhas duas avós. A minha avó Antônia disse que foi buscar a minha mãe em Areias (Icapuí) de barco. (Areia Branca – Icapuí = 59km). O que soube depois é que naquela época havia briga de família, mas isso é outra estória. Para Zé Lagatixa era só festa, não havia tempo ruim. Mesmo cego, era procurado para tocar pandeiro.

Quando dei conta de mim, foi sendo carregado (no tuntum) por Zé Lagatixa, em direção à praia do meio para pegar taioba.

Um homem que soube viver a vida que teve.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN.

Nos anos 1930, Zé Lagatixa participava ativamente da bandinha que animava os eventos da cidade.

O culto a Nossa Senhora dos Navegantes, em Areia Branca, teve início em maio de 1911, quando o maquinista Manuel Félix do Vale e sua tripulação se viram diante da morte, face a uma avaria em alto mar.  

O rebocador Sucesso fez uma viagem a Recife, sendo rebocado pelo vapor Açu, com o objetivo de ser consertado em um estaleiro local. Na altura do Cabo Santo Agostinho, a longa corda que o prendia ao vapor enrolou na hélice, em virtude do mar agitado.

O cabo tinha que ser retirado o mais rapidamente possível da hélice, pelo risco de afundamento do rebocador. O maquinista Manoel Félix do Vale se lançou na água com uma faca na mão, pondo sua vida em risco. Em uma manobra corajosa, ele conseguiu cortar o cabo enrolado na hélice, evitando assim um iminente naufrágio do rebocador.

O maquinista fez uma promessa a Nossa Senhora dos Navegantes: trazer para Areia Branca a imagem da santa, entroná-la no altar da igreja e cuidar da organização de uma procissão marítima em homenagem à protetora dos marítimos.

Apesar dos esforços, somente em 2011 a paróquia de Areia Branca resgatou a imagem original de Nossa Senhora dos Navegantes, que se encontrava em Ponta do Mel.

A informação mais antiga que temos da festa em louvor a Nossa Senhora dos Navegantes, que efetivamente passou a ser comemorada no dia 15 de agosto, data do início da década de 1930.

Como nos conta o Comandante Miranda, a partir daquela década, no dia 15 de agosto, o andor saía da igreja matriz na hora marcada. Lá fora, um grande número de pessoas esperava para o embarque. De um lado, as Filhas de Maria, as Zeladoras, as Damas de Caridade; do outro lado, os Vicentinos, os Marianos e a Cruzada Eucarística.

Essa procissão se dirigia ao Tirol; no caminho, os fiéis cantavam o Hino dos Navegantes, enquanto caminhavam a passos lentos. A animação ficava por conta da bandinha da cidade, comandada por Mirabeau, com seu trombone, Pedro Abílio no saxofone, Adolfo de Pedro Abílio no bombo, José Silvino (meu pai) na tuba, e algumas vezes Chico Ourives no clarinete. Em alguns anos, outros músicos faziam parte dessa comitiva. Tinha ainda Augusto Preto com sua cuíca, Zé Lagatixa com seu famoso pandeiro e, por fim, Raimundo Enfermeiro na rabeca. 

Nas calçadas e na beira do cais, uma multidão aplaudia a procissão, que tinha a bandinha como ponto de destaque. As mães seguravam seus filhos, que gritavam e acenavam para os participantes daquele cortejo religioso.

Os fiéis seguiam atrás, engrossando os cânticos. Chegando ao Tirol, como de costume, a lancha São Salvador já se encontrava no local, para transportar a imagem da santa. Barcaças da Companhia Comércio e Navegação, Wilson, Mossoró Comercial e Salmac juntavam-se ao São Salvador, cada uma tendo à frente o seu rebocador. Feito o embarque, tudo pronto para a procissão marítima. Durante todo o percurso, os fiéis cantavam em uníssono, apesar da distância entre as embarcações: Ó virgem dos navegantes/Na procela e na bonança/Salvai os pobres marinheiros/Sê sempre a nossa esperança.

Festa de Nossa Senhora dos Navegantes. História, fé e tradição que se misturam há mais de um século.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN.

Nossa vida é fruto de experiências, observações, coisas vividas. Menino em Areia Branca, convivi com as conversas que aconteciam nas bodegas, com clientes de todas as latitudes. Na Rua da Frente, testemunhei a chegada de embarcações e iates a vela que adentravam no porto. Aqui, vivi a alegria  ímpar de nadar no rio Ivipanim rodeando o barco dos beijus. Testemunhei os caminhos rasgados na barriga do rio pelas barcaças prenhas de sal, e de canoas de velas triangulares que o tempo já levou, todos, iates, barcaças e canoas.

Em Areia Branca, a magia de ver um prefeito elegantemente vestido conduzindo uma cabra (Mimosa) presa a uma corda. Fui testemunha ocular de um horroroso crime acontecido no mercado público, e meu pai intercedeu junto ao delegado, avisando-o de que o homem se escondera em sua bodega. Àquela hora, policiais se preparavam para embarcar para Barra e Pernambuquinho.

Ainda em Areia Branca, a visão de dois ciclistas que se digladiavam para testar os limites impostos por magreleiros do Rio e de São Paulo. Aqui, soube do reboliço causado na Rua da Frente quando um marinheiro esforçava-se para conduzir uma bicicleta ainda rudimentar. Era a chegada da bicicleta. Na Rua da Frente, na década de 1950, acompanhei um menino conduzindo um rádio na cabeça, ato que entronaria a novidade do rádio portátil.

Aqui, a visão do rio Ivipanim encostadinho no oceano, pros lados do Pontal, com direito a cheiro no cangote e beliscão na barriga. Também aqui, o surgimento do poly, que era como o picolé gostava de ser chamado.

Em Areia Branca, toda a movimentação para construção do Porto-Ilha, incluindo a estória daquele engenheiro e seu mimado buldogue.

Na dimensão adulto, o encantamento ao vislumbrar a estátua do Padim Ciço, em Juazeiro do Norte, fruto do acalanto e vibração pela religiosidade de um povo.

Padim Ciço

Na visão estendida, o deslumbramento ao avistar uma cadeira gigante em uma calçada de Genebra, na Suíça. Essa cadeira mede doze metros de altura, tem uma perna quebrada, como forma de protesto contra a fabricação e o uso das minas terrestres antipessoais.

Cadeira

Ainda na visão extramuros, a beleza quase sonho do voo dos balões na Região da Capadócia, na Turquia, e um passeio pelas feirinhas locais, onde réplicas de objetos de antes de Cristo são vendidas a preços de banana, digo, de tâmaras.

E tem aquele sonho impossível. Impossível? Caminhar com os Beatles na Abbey Road? A gente dá um jeito. Resolvi meu sonho assim.

Beatles 1

Beatles 2

De Areia Branca à visão extramuros, uma vida em constante reboliço.

Porque navegar é preciso. Viver, também.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 

 

Agosto é um mês em que o vento veste sua carapaça de ventania e sai por aí aprontando. Em Areia Branca, a meninada, em um ambiente confuso, repleto de linhas, papéis coloridos, rabiolas e carretéis, aprenderam a domar o vento, o todo poderoso senhor dos ares, primo dos furacões, tufões e vendavais que moram em outros países. No céu, pipas coloridas, pequeninas e matreiras, pobres, feitas de um papel que há dois dias era embrulho de bodega da Rua da Frente, dominavam o céu daqui de baixo, em meio ao alarido de sempre.

Naquele agosto de 2013, Areia Branca foi invadida por um grupo de amigos, homens e mulheres de cabelos gris, armados de boa vontade, disposição e alegria. Dispunham-se para conversas, para risadas e para os novos sons de Geraldo Azevedo, Djavan, Zeca Baleiro e Fagner, que ali reinavam.

Houve invasão de becos, ruas, casas de amigos. Canoas foram tomadas de assalto, com dedos em riste determinando o rumo a ser seguido, agora no sentido de Barra e Pernambuquinho. Riscos de luz, eram flashes. Barulheira, eram gargalhadas do tempo em que ainda brilhava o Palacete Municipal.

Sei que você, areiabranquense de agora, não riu de alguém do grupo invasor quando, em um vacilo  de sua memória já cansada, teria perguntado pela pracinha em frente ao Tirol, que também já se foi; ou, em um devaneio de momento, ter perguntado pela senha mágica que destrava o Portal da Rua do Meio. Passeei com alguns até o Cine Coronel Fausto, que não mais existe.

Sei de alguém que, de forma dissimulada, parou em uma calçada da Rua do Meio e ficou perdido, próximo ao meio-fio, procurando algo. Na verdade, ele tentava encontrar resquícios de antigas inscrições feitas em sua meninice, quando, às escondidas, aproveitando o cimento ainda mole, imprimiu o nome dela na calçada, ao lado do seu.

Sabemos que Popõe não mais está aqui, mas sei de alguém que perguntou por ele. Ruas trocaram de nomes, ganharam calçamento de cor escura, no outrora branco nacarado de um carago que se foi. Todos desejaram passear  pelo Beco da Galinha Morte, e caminharam por seus entremuros repletos de histórias. Outros, no depois da novena, foram a um parque de diversões com canoas para balançar, e gargalhadas eclodiram como em outras épocas.

Baleeiras

Poucas pessoas sabiam quem foi seu Dimas, cujo neto hoje caminha por locais onde seu avô farmacêutico fez história. A maioria também não sabia quem foi José Silvino, meu pai, nem seu Adauto, pai de Sônia, nem dona Zefa, a querida vovó de Dodora. Também não conheciam os familiares de Chico Brito, nem de Othon. De Clodomiro, pai de Carlos Alberto, algumas pessoas lembravam. O pai do professor era bastante conhecido. Poucas pessoas se recordavam de Dr. Vicente.

Durante as novenas que antecederam a grande festa no rio, ouvimos hinos e cânticos que em nada evocavam os ritmos do coro da igreja de padre Ismar,  que a seu modo ciceroneava peregrinos de todas as paragens. No depois da novena, a lembrança da barraca de Zacarias. A rainha da festa ainda existe?

Na procissão marítima, alguns estranharam a ausência das velas brancas, agora substituídas por potentes e bufantes motores, com seu bafo de fuligem. Mas ganhamos em animação e colorido. No patamar da igreja, um grupo de músicos de fora evocava antigos xotes e baiões. Não há uma bandinha local?

Procissão

Agosto 2019 bate à porta. E sei que não estarei lá.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 

Chegamos a Areia Branca no final da tarde do dia 18 de maio de 2019. Depois de alguns dias de viagem, o desejo de caminhar pela beira da praia de Upanema. À nossa disposição, uma maré cheia se exibia inteira, parecendo esperar nossa visita.

À noite, por ser uma quinta-feira quase sem hóspedes, obtivemos a liberação de um passaporte para uma seresta improvisada na beira da piscina do Hotel Costa Atlântico, sem qualquer compromisso com os limites.

Seresta 1

Encomendamos uma panela de sopa feita na hora, abrimos nosso vinho trazido de Natal – e ainda no gelo – e a noite foi nada mais que uma criança, inocente e pura como nós.

Na beira da piscina, sob os eflúvios de um vinho tinto do Alentejo, Assis Câmara e Ivo promoveram um desfile de músicas dos bons tempos, acompanhadas pelo som de um plangente violão. Ao fundo, onde mora a escuridão, uma lua prenha de luz observava três setentões meio desafinados tentando replicar coisas do passado.

Seresta 2

Upanema. Encerramento da nossa romaria/2019 em grande estilo.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 

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