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Em um shopping de Brasília, sentadas em um banco construído de tal modo anti-ergonômico que o cliente só conseguia permanecer sentado por cinco minutos, duas mães travavam um diálogo sem medo de ser ouvidas:

– Pois é, o Henrique Luiz está fazendo psicoterapia.

A amiga olha para o garoto de dois anos que caminhava para lá e para cá, seguido de perto por uma senhora que suponho ser sua avó.

Surpresa, a mulher perguntou por que o garotinho estava sob os cuidados de um psicoterapeuta há seis meses.

– É que ele está sofrendo de ansiedade. Duas vezes por semana eu o levo para as sessões de psicoterapia.

O papo continuou, e eu me afastei do local, pois já esgotara o prazo de validade da minha coluna, mantida em posição de batalha graças à prática do Pilates. Saí dali e fiquei rememorando alguns fatos da minha vida profissional. É que, por  mais de 31 anos, atuei como pediatra, trabalhando em instituições públicas de saúde, e durante esses anos atendi milhares de crianças. Agora me dou conta de que há certas condutas que raramente pus em prática, fosse para diagnóstico ou para tratamento.

Poucas vezes, em minha prática clínica, solicitei radiografia do cavum (garganta), que ainda hoje é utilizada para avaliação de hipertrofia de adenoides. Hoje, sabe-se que um câncer originado pela exposição à radiação só apareceria depois de muitos anos, e não poderia ser facilmente ligado a procedimentos feitos no passado.

Outra conduta que jamais assumi: encaminhar crianças pequenas para sessões de psicoterapia, fosse por ansiedade, birras ou inquietude. No entanto, lembro haver encaminhado muitos casais para atendimento em psicoterapia. Talvez porque os pediatras ainda conversassem com as mães, e as consultas mais lembravam um consultório de psicologia. Aqui, a real dificuldade para entender a separação dos conceitos de Pediatria e de Puericultura. As receitas de remédios eram poucas; as orientações, muitas.

Quantas vezes uma criança, trazida pela avó, tinha que retornar no dia seguinte, para que as orientações fossem passadas fielmente à mãe. Certa vez perguntei por que aquela criança ainda dormia no quarto dos pais, deixando pai e mãe espantados. Como o senhor sabe, doutor? Eu sabia. Um pouco de atenção ajudava naquela suspeita.

Em outro momento, perguntei a um bancário de alto posto por que seu filho já grandinho não havia mamado no peito, e ele foi tomado de uma surpresa, quase um choque. Como eu sabia disso? Nunca haviam feito essa pergunta.

No consultório do centro de saúde eu lavava os ouvidos das crianças que, após uma otoscopia, necessitavam do procedimento. Hoje, isso é quase impensável. Relembro, com satisfação, quantas crianças com pseudofimoses eu retirei da fila de cirurgia – no pré-operatório -, utilizando-me apenas de manuseios simples no próprio consultório.

Sem falsa modéstia, hoje eu entendo a placa de prata que me foi oferecida em uma homenagem realizada pelos pais, quando me afastei daquela unidade.

Placa

Coisas que precisam ser ditas, antes que eu vá ao encontro de Hades. A moeda já foi providenciada. Caronte estará atento.

Conto com os bons modos de Cérbero.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Dizeres da placa: Pelos anos de convívio, pela missão cumprida, receba nossa homenagem e votos de redobradas alegrias. Seus amigos do CS do Guará I.

 

 

 

 

 

 

Na vida todos temos um segredo inconfessável,

 um arrependimento irreversível,

um sonho inalcançável e um amor inesquecível.

Diego Marchi.

Em Areia Branca, imagino ter sido ele o único garoto que realmente desejava ser paraquedista. Com apenas seis aninhos de idade, em suas conversas ele sempre dizia que ia ser paraquedista. Em seus sonhos, o voo em queda livre surgia com frequência, pondo em desordem sua inquieta cabecinha. O Papai Noel, renascido todos os anos, quando chegava o natal, saindo de uma lareira, para ele o velhinho descia de paraquedas, e escorregava fazendo marcas nas paredes do seu quarto. No alto do imenso pé direito, antigas pucumãs testemunhavam em silêncio.

No quintal de sua casa, na Rua da Frente, a observação cuidadosa do voo dos raros passarinhos era uma tarefa de todos os dias. Quantas vezes, sentado sobre o quarador de roupas, imaginou-se, qual menino-passarinho, em voos pelos céus de Areia Branca, fosse em rasantes pelas várzeas, pros lados de Pedrinhas, assustando os maçaricos e contemplando antigos cataventos. Talvez, imaginava, pudesse chegar a Mossoró.

Hoje, o menino entende que os sonhos são, em boa parte, determinados pelas ideias formadas em nosso dia a dia, e em Areia Branca dos anos 1950, era muito difícil manter certas ideias com a mesma formatação por muito tempo. É que, face às dificuldades, essas ideias perdem força, esmaecem e somem. No futuro, apenas a lembrança de um sonho que a realidade tratou de abortar, deixando apenas restos placentários.

Ao sumirem tais ideias, em seu lugar pode restar um vácuo no espaço-tempo, ou aos poucos serem substituídas por novas propostas. Para isso, é essencial que  se reforce o conhecimento, que se conte com o exemplo e o apoio da família, além de muito estudo e esforço pessoal. Do contrário, acomodação e desistência. Aqui, a necessidade de criação de novos repertórios para formatação de outros voos, só que desta vez sem o paraquedas.

E assim o menino fez. Mudou de Areia Branca para uma cidade grande, estudou engenharia robótica e hoje está se aposentando de seu trabalho em uma empresa que desenvolve software para aviação comercial.

O voo. A mesma paixão. O mesmo sonho em nova formatação.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

(*) Aqui, um sonho, uma alegoria, uma metáfora baseada em fatos reais

 

 

 

 

 

Quando criança, em Areia Branca, não percebia que os tropeços que sofria eram na verdade apenas correção de rumo. Sem eles, o fácil e acessível ganhariam espaço em mim.

Não percebi que aquele NÃO fora, na verdade, um acerto para preservar minha alma para outros embates, impossíveis de serem vencidos sem aquela vivência. Sem ele, meus caminhos se apequenariam na acomodação do ontem.

Também não percebia que muitas das restrições impostas em minha meninice tinham o condão de fortalecer o meu espírito, base de um caráter em formação.

Não imaginava que as idas e vindas dos meus erros e acertos não passavam de provações, que fortaleceriam meu discernimento, combustível para futuras escolhas; estas, sim, definitivas.

Não percebia que as dificuldades em viajar – conhecia apenas Mossoró – seriam, na verdade, uma catapulta para ultrapassar fronteiras distantes. Desse modo, fui estimulado a fazer uma romaria anual pelo Nordeste, Natal como ponto de partida. Todos os anos, no mês de agosto, saímos – eu e dois amigos – visitando cidades desconhecidas e revendo pela última vez aquelas que já conhecemos e gostamos. Uma despedida sem usar os pés caminhadeiros.

Jamais imaginei que as músicas da sonora, no alto do Palacete Municipal, me inspirariam para conhecer o universo de Nana Mouskuri, com o sua voz afinada no limite dos sustenidos.

Também não imaginava que as doses e as meiotas de cachaça servidas no balcão da  bodega do meu pai, na Rua da Frente, serviriam para formatar uma degustação de vinhos na adega da Cartuxa, em Évora, Portugal. Não me tornei alcoólatra.

Não percebia que minha aceitação das diferenças não era acomodação, covardia nem humildade subserviente, mas o entendimento de minhas possibilidades. Um entendimento: a uma criança pobre, apenas a superação pelo estudo e pelo trabalho poderão, de fato, suprir os desníveis, ou suplantá-los.

Criança, não percebia que brincar em ruas sem calçamento, revestidas de carago, entoando cantigas de roda à noite, e brincando de soltar pião, me inspirariam na elaboração de futuras propostas criativas, diferencial importante em ambientes profissionais competitivos.

O tempo passou, e vieram os momentos de buscas, as ocasiões das escolhas, as tentativas de definição.

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Somente muito depois perceberia que tudo aquilo valera a pena. E como!

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Neste blog, comentando sobre as funções dos cataventos nas salinas, eu dizia que essas funções eram voltadas para a captação de água ou para bombeamento da água para produção do sal. E a visão poética falava do giro mágico de suas pás a nos inebriar.

E a poesia fluiu, com sua voz de maçarico: O barulho dos cataventos, qual próteses mecânicas de um gigante alado, rompia o silêncio das madrugadas quentes e úmidas, impregnado do cheiro de salitre. O vento que corria nas várzeas movia suas pás, assobiando sua melodia triste e, na contraluz das estrelas, o catavento parecia um fantasma esquisito, com cauda de um imenso pavão. E seu lamento triste e rouco ecoava nas gamboas e se entranhava nos manguezais, atrapalhando o namoro noturno dos caranguejos.

Esta semana tomamos conhecimento do resultado de uma pesquisa realizada na Universidade Malayasia Sarawak, que concluiu: o som emitido pelos mosquitos decorre do batimento de suas asas, e possui uma frequência específica tanto para os machos quanto para as fêmeas. Para a cópula, essas frequências podem ser alteradas e acertadas entre machos e fêmeas, para que entrem em uma sintonia.

Na pesquisa, a descoberta de que as antenas dos mosquitos funcionam como órgãos sensoriais que percebem vibração e são sensíveis a ondas sonoras. Com base nessa descoberta, os cientistas criaram dois ambientes: um com e outro sem música, e compararam as taxas de visitação, alimentação e reprodução dos mosquitos em cada um. A musica eleita para a pesquisa foi Scary Monsters and Nice Sprites, do produtor musical Skrillex, norte americano produtor de música eletrônica do gênero dubstepe trap. As fêmeas de Aedes expostas à música visitaram o ambiente mais tarde que o normal, em número menor de vezes, e também se alimentaram menos. Além disso, copularam menos do que os mosquitos no ambiente sem música. O enfrentamento moderno do controle da proliferação dos mosquitos transmissores de doenças.

Em Areia Branca, uma visão poética do atrapalhamento do namoro noturno dos caranguejos. Aqui, a poesia que flui das várzeas e invade a morada dos bichinhos do manguezal.

Na pesquisa, números frios indicam a mesma ocorrência, forçando o desencontro dos mosquitos. Aqui, o conhecimento científico vislumbrando o futuro controle do Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika, febre amarela e chikungunya.

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

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